
Cia. Gira Dança mobilizou o calçadão de Londrina em intervenção urbana que aproxima artistas e público
Renato Forin Jr. / Assessoria de Imprensa FILO
Dentro da cabine de telefone vermelha, em estilo britânico, localizada em frente ao Teatro Ouro Verde, quatro pessoas apertam-se, debatem-se, sobem umas sobre as outras, gritam. A porta se abre, e o rapaz de cadeira de rodas que estava do lado de fora salta num golpe de braços, entra no cubículo apertado e engrossa a massa humana. Fecha-se a porta. Um homem com máscara de oxigênio saltita em torno da cabine apoiando-se em pequenas muletas.
A essa altura, o círculo já é imenso: uma clareira circundada pelos pares de olhos curiosos dos transeuntes interrompidos. Um ou outro que esquece de olhar em volta, passa bem próximo e assusta-se. “É um grupo de teatro?”, pergunta a moça. Mas ninguém tem a resposta. A senhora ao lado sussurra em bom tom um “meu Deus, que susto!”, quando vê o artista de máscara. Já outra menos pávida e mais crente, conclui: “Estas pessoas estão possuídas por demônios”. E segue seu caminho com a benção divina, não sem antes dar uma olhadela para trás.
Exorcizar a sociedade de seus preconceitos. É justamente a intenção da Companhia Gira Dança, de Natal (RN), em intervenções urbanas como esta. Formada por pessoas portadoras e não portadoras de deficiência física, a trupe reúne artistas que, ao demonstrarem suas potencialidades, alertam a sociedade sobre a relatividade das diferenças e a necessidade de olhar para o outro com igualdade e respeito.
“O preconceito acontece por falta de informação. Algumas pessoas pensam nos deficientes como doentes, incapazes. Quando você aproxima o público, consegue ter um olhar diferente, com mais sensibilidade”, reflete Anderson Leão, diretor artístico e fundador da Gira Dança.
Para que a performance seja bem sucedida é preciso que os passantes não estejam preparados, mas surpreendam-se com os atos cênicos que irrompem no vai-vem quase banal das ruas. “A obra artística vai até o espectador, e não o contrário. É a ocupação de um espaço público, para provar que a dança acontece em qualquer lugar, como um jogo”, explica a assistente de direção Jaquelene Linhares, que acompanha o grupo desde 2009.
Jaquelene também participa da intervenção. Esconde-se atrás de uma criança, pede um abraço, e baila por entre fileiras de passantes. Há interrogação nos olhares e indignação quando um rapaz é jogado com agressividade da cadeira de rodas. Mas ele reage com irreverência, afrouxa os parafusos e começa a brincar, no chão, com os pneus. A todo o momento, cria-se e destrói-se a tensão.
A intervenção é formada por fragmentos do espetáculo A Cura, que o grupo apresentou nos dias 16 e 17, no Circo Funcart, acrescidos de uma série de improvisos. Segundo Anderson, os treinamentos em sala de aula auxiliam na naturalidade e rapidez desses jogos de rua no momento da performance.
A Cia Gira Dança nasceu em 2005 por iniciativa dos bailarinos Anderson Leão e Roberto Morais dentro de um projeto de extensão da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. O trabalho cresceu e o grupo tornou-se independente. Hoje é também uma ONG e um Ponto de Cultura. Com pesquisa já consolidada na criação artística com portadores de deficiência, a Cia. Gira Dança já se apresentou em vários palcos e ruas do Brasil. Em abril deste ano, a trupe mostrou também o trabalho em Berlim, na Alemanha.