Afonso Gentil*, especial para o Aplauso Brasil (aplausobrasil@aplausobrasil.com)

SÃO PAULO – Nossa vã filosofia jamais iria supor que o humor fosse virar caso de polícia. Consequência lógica do assustador uso da linguagem chula, da atitude cafajeste e do excesso de escatologia ao gosto de adolescentes, que dominam a maioria dos shows (?) da chamada Comédia em Pé (Stand Up-comedy)? Com certeza: muitos desses piadistas brotam da Internet com a rapidez dos coelhos, minando a saúde do riso.
Bom lembrar que espetáculo solo, de um comediante de fato, tem toda uma logística de encenação que vai muito além da “roupa do corpo” e do microfone, a começar por um texto cuidadosamente selecionado. Daí nos determos hoje em dois exemplares do gênero: Eu Era Tudo Para Ela e Ela Me Deixou no Teatro da FAAP e Solidão, A Comédia no N.Ex.T.
Esses piadistas, sem a indispensável graça natural, ou seja, de talento raquítico, deveriam embarcar conosco, num passeio icônico pelo humor dos ídolos das ultimas décadas até agora. Desde os antológicos solos dos intrépidos e corajosos Chico Anísio e Juca Chaves, passando pelos donos insuperáveis da piada de cunho deslavadamente surreal Ary Toledo e José Vasconcelos. Ou prestando a maior das atenções nos ingênuos do “pau oco” (duplo sentido) Mazzaropi, no cinema e Ronald Golias, na televisão. Ou ainda nas contundentes sátiras de Jô Soares, herdadas naturalmente, pelo estilo espontâneo de Hugo Possolo.
HUMOR BURILADO POR AUTORES TALENTOSOS
À maneira do famoso James Bond, vamos à apresentação: o nome dele é Boechat, Emílio Boechat. Assim deveria ser tratado esse talentoso autor, de poucas obras teatrais, mas centenas de roteiros para televisão. Boechat é o responsável primeiro pelo concorrido cartaz do Teatro Faap, Eu Era Tudo Para Ela e Ela Me Deixou, veículo para a cachoeira de risos em que se tornou o ator Marcelo Médici desde Cada um Com Seus Pobrema.
Emilio Boechat está à espera de um ensaísta que se debruce sobre a sua tão verdadeira quanto cruel visão da contemporaneidade. Mas já dá para entrevê-la pelos tipos, pelos diálogos e pelo calvário percorrido pelo protagonista, a partir do momento em que sua entediada esposa despeja-o, literalmente, do seu próprio lar. Vamos acompanhar o desmonte impiedoso de um homem, como o fizeram Kafka (O Processo) e Brecht (Um Homem é um Homem). Dito assim, parece um tragicomédia existencialista. Que ela é! Mas, nas incontáveis mãos de Marcelo Médici e de seu surpreendente colega de cena, Ricardo Rathsam em formidável desempenho, o riso, involuntário ou não, é irreprimível, fazendo da montagem do FAAP um das melhores comédias em safras recentes.
SOLIDÃO, A COMÉDIA
Não é novidade, mas o tempo decorrido entre a montagem de Diogo Vilela e esta, com Mauricio Machado, recria com frescor e comedida melancolia, às vezes, um louco passeio pela solidão de diferentes tipos humanos, saído da mente criativa do saudoso Vicente Pereira, de vida breve, autor de Solidão.
Mauricio Machado não é exatamente um novato do teatro, mas aqui, c

onfirma, com rara vitalidade, ser portador de uma autêntica veia cômica, na linha dos grandes mestres do gênero. Por ele e pelo texto, o espetáculo bem dirigido por Claudio Tovar envolve o espectador em espiral, com um grand-finale digno do gênero besteirol, que vem a ser uma mistura de comédia maluca com drama filosófico, dá para entender?
SERVIÇO:
EU ERA TUDO… Teatro da FAAP / Rua Alagoas, 903 / 506 lugares / telefone 3662-7233 / 6ª. 21h30, R$ 40, / sábado 2lh, R$ 70, / domingo, 18 h, R$60, / 75 minutos / 14 anos / até 04/12
SOLIDÃO, A COMÉDIA – Teatro N.Ex.T. – Rua Rego Freitas, 454 – Vila Buarque – Estacionamento ao lado / telefone 3259-9636 / 6ª, e sábado 2l h e domingo 20h/ R$ 40, (6ª.) e R$ 50, (sábado e domingo) / 75 minutos / 12 anos / até 27-11