Kyra Piscitelli*, do Aplauso Brasil (kyra@aplausobrasil.com.br)

CURITIBA – O Festival de Teatro de Curitiba continua seguindo seu slogan “o inesperado acontece aqui”. Na noite de ontem (25), a estreia de SPon SPoff SPend foi notícia. O espetáculo é uma das sete estreias do Festival e traz o primeiro espetáculo adulto da Maracujá Laboratório de Artes, que comemora 10 anos. O fato polêmico é que o espetáculo trata sobre moradores de rua em São Paulo contou com pessoas em situação de rua na plateia. A ação, conforme foi noticiado, pelo Jornal Gazeta do Povo do Paraná, foi um ato de uma aluna de artes cênicas da Faculdade Artes do Paraná (FAP). Ao jornal, a estudante disse que se inspirou no livro O Caos, de Hakin Bey e na afirmação que “em potencial, todos nós somos algum tipo de artista”. Mas, qual foi a reação da plateia e desses seres humanos que vivem na rua ao se verem espelhados no teatro? Será que a experiência é realmente válida artisticamente?
Não preciso dizer aqui que alguns deixaram a plateia incomodada (e não foram os moradores de rua). No entanto, a questão aí esbarra em fatos ainda maiores do que a diferença de classe. Parece-me óbvio que a cultura é sim restrita a uma classe dominante, pelo menos em geral, mas será que os moradores de rua estavam prontos para essa experiência.
Não acredito na arte do choque e acredito que a estudante, embora bem intencionada, possa ter feito mal aos homens em situação de rua ao expô-los como ratos de laboratório para o grupo teatral, para a plateia e para eles próprios sem que os mesmos sejam avisados.
Em uma das passagens mais curiosas, um desses homens antecipou a fala de um dos atores no palco – com exatamente a mesma expressão. Um deles, segundo o que foi relatado, gritava, falava loucamente e atrapalhava o espetáculo.
As pessoas que compraram seus ingressos e se dispuseram a ver SPon SPoff SPend estariam já dispostas, ou assim deveriam estar, supondo que soubessem do tema, abertas a saírem do “efeito blasé” que criamos para lidar com as “contingências metropolitanas” – como define o teórico Simmel. No entanto, entende-se que o espetáculo era feito para trazer aquela realidade para quem não a conhecia, propondo um teatro de dialética, mas no setor representativo.
Encarar a realidade nua e crua pode sim ser interessante, mas pode também ser uma violência. E a violência na indústria cultural atinge, inevitavelmente, o lado fraco e despreparado da corda: os homens em situação de rua, que além de não entender nada do que se passava ali, não tiveram espaço e nem palavra – real.
Foram ali laboratório da representação e serviram-se como ferramenta de hostilização – ainda que inconsciente dos presentes. Nem eles, nem os presentes puderam refletir sobre o que se propunha. Nem o Grupo, creio eu, saiu feliz com isso. Ficou o constrangedor, mas a lição de que Festival é para isso: que se discuta arte, objeto e objetivo. É o lugar do imprevisto.
Fica um slogan feliz e uma reflexão que não tem pretensão de ser a única verdade em uma história que dá pano pra manga.
Em Tempo, é bom explicar o título da peça: SPon SPoff SPend é uma junção da sigla SP, de São Paulo, com as palavras de origem inglesa “on” (ligado), “off” (desligado) e “end” (fim),
SPon SPoff SPend faz a última apresentação no Festival, dia 26 ( quinta), às 21h. Foram duas apresentações. Mas para acompanhar o Festival ou assistir espetáculos, acesse: www.festivaldecuritiba.com.br
GÊNERO TRAGICOMÉDIA
CLASSIFICAÇÃO 16 ANOS
DURAÇÃO 70 MINUTOS
APRESENTAÇÕES
TEATRO BOM JESUS
25/03 21:00
26/03 21:00
*Kyra Piscitelli, editora assistente do Aplauso Brasil, viajou para Curitiba a convite do Festival.