Isabela Oliveira Pereira da Silva*, especial para o Aplauso Brasil (redacao@aplausobrasil.com)

SÃO PAULO – O que é o amor? Afeição, sentimento, desejo, paixão entre iguais. Sim, iguais. O que chamamos de amor é o encontro de pares, do mesmo. O amor só é possível entre iguais. Um homem e uma mulher, dois homens, duas mulheres, talvez mais que dois. O que é comum aos elementos desta soma? São todos seres humanos. O amor não é possível quando a diferença extrapola os limites desta semelhança básica. E é exatamente disso que trata a montagem de O Patrão Cordial da Cia do Latão.
Não seria Bertolt Brecht se não houvesse oprimidos e opressores, luta de classes, ideologia, contradição e outras coisas mais do jargão marxista. Tudo está lá na adaptação de O Senhor Puntila e o seu criado Matti, texto de 1940 que serve de base para a montagem. O principal é a relação entre patrão e empregado, na peça, Sr. Cornélio e o seu motorista, Victor. Mas há também o amor. As relações que se dão no terreno do privado, do desejo, do querer, da intimidade. Entre Cornélio e Victor, cada qual sabe o seu lugar. Quase como se celebrassem um contrato, o pacto verbal entre ambos se firma quando o primeiro diz:
– Prazer, Cornélio. Eu tenho umas 900 cabeças de gado.
– Prazer, Victor. Eu já tive um cachorro. Sou seu motorista.
– Motorista? Mas você disse há pouco que era um homem. Acho que te peguei numa contradição.

Mas entre Victor e Vidinha, a filha de Cornélio, as posições não são tão claras. Oscilando entre homem e motorista, entre humano e coisa, pessoa e mercadoria, amante e objeto, se dá o amor. No terreno do privado, único lugar possível da mulher no mundo rural e patriarcal que é cenário da peça, é que se dá a pessoalidade, o personalismo, a informalidade. E aí entramos no universo conceitual de Sérgio Buarque de Holanda em Raízes do Brasil (1936), clássico do pensamento social brasileiro. Como bem lembra o noivo corno e pouco masculino de Vidinha, as relações entre patrões e empregados no Brasil são mais próximas do que seria de se esperar, são promíscuas, são muito cordiais, culpa de nossa herança ibérica?
Nos afetos entre patrões e empregados, motoristas e patroas, patrões e prostitutas, parece não haver lugar no terreno do público para as relações entre humanos e seus subalternos. Vidinha até tenta, em vão, se casar com Victor aproveitando um dos lapsos de seu pai. Um patrão que, quando bêbado, se torna bonzinho e coração mole, e, quando sóbrio, volta a ser frio, formal, ou melhor, volta a ser patrão. Mas o amor entre humanos e subalternos só pode ter espaço na esfera do privado.
No cabaré marxista da Cia do Latão, talvez o mais interessante do encontro do texto do dramaturgo alemão Bertolt Brecht com Sérgio Buarque de Holanda seja o fato de nos depararmos com a ideia de que a contradição não nasce de termos estáticos. Se fosse assim, patrão fosse sempre patrão, motorista sempre motorista, mulher sempre mulher, o jogo social seria fácil. Como falamos de homens e seus empregados, as posições se deslocam, ora sim, ora não, ora iguais, ora diferentes. Assim, há e não há lugar para o amor em O Patrão Cordial.
*Isabela Oliveira Pereira da Silva é antropóloga, autora de Bárbaros tecnizados: cinema no Teatro Oficina e docente na Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo
O PATRÃO CORDIAL – COM A CIA DO LATÃO.
De 8/11 a 15/12/2013
Sextas e sábados, às 21h30
Domingos e feriado (15/11), às 18h30
Sala de Espetáculos II (acesso para pessoas com deficiência)
98 lugares
Duração: 120 minutos
Não recomendado para menores de 12 anos
Ingressos à venda pela Rede INGRESSOSESC (unidades do Sesc) e pelo Portal Sesc SP (www.sescsp.org.br), a partir de 25/10, às 14h:
R$ 25,00 (inteira); R$ 12,50 (usuário matriculado no Sesc e dependentes, +60 anos, estudantes e professores da rede pública de ensino); R$ 5,00 (trabalhador no comércio e serviços matriculado no Sesc e dependentes).
Sesc Belenzinho
Endereço: Rua Padre Adelino, 1000
Belenzinho – São Paulo (SP)
Telefone: (11) 2076-9700
Estacionamento
Para espetáculos com venda de ingressos:
R$ 6,00 (não matriculado);
R$ 3,00 (matriculado no SESC – trabalhador no comércio de bens, serviços e turismo
/ usuário).