Michel Fernandes, do Aplauso Brasil (michel@aplausobrasil.com)
SÃO PAULO – Depois de quase 30 horas sem consultar redes sociais nem sites de notícia, leio uma notícia desconcertante: “Morre a atriz cubana Phedra de Córdoba”. Sabia que o câncer recém descoberto não lhe dava trégua, ela estava fraca e distante de onde mais amava estar: o palco, mas conhecendo a garra, a força dessa filha de Iansã, é chocante saber que o brilho daqueles olhos pequeninos, sua voz que cantou Negue num de meus aniversários, seus fabulosos comentários sobre as companhias flamencas que assistimos juntos, o Natal que compartilhamos com minha família, seja memória sem um último adeus. Queria ter me despedido, mas, compreendo que nessas situações traumáticas só há Caos. Enquanto as lágrimas rolam, só posso indicar aquela porta destinada às divas como você: A ETERNIDADE!
Durante alguns anos li seus diários e estudava publicar sua biografia romanceada, já que nem todos os fatos que permearam sua vida – e são muitos! – pudessem ser checados, já que envolvem testemunhas que morreram há muitos anos. Mas só o fato de seu enxoval de bebê ser todo cor-de-rosa – devido ao formato da barriga da mãe –, sua feminilidade aflorada desde cedo – aos quatro anos de idade foi flagrada no banheiro da escola com um coleguinha -, a batalha de sua mãe contra a possível homossexualidade do pequeno Rodolfo, seu nome de batismo, o carinho mútuo com seu pai, o sangue artístico dos Acébal que corria em suas veias, o flamenco a pontuar sua vida, suas participações em corpos de baile de Lola Flores, Dalva de Oliveira e Walter Pinto, ainda como Felipe de Córdoba, instigam ao mergulho de Phedra: a mulher que nunca existiu, como ela intitulou os diários.
Felipe de Córdoba e Lupe di Sevilla desembarcaram no Rio de Janeiro no final da década de 1950 para apresentar seu número de flamenco numa revista do célebre Walter Pinto, mas só em 1963 assumiu a identidade Phedra. Saiu brasil à fora e, devido a seus traços delicados e à sua identidade artística trazer como nome Phedra, era tratada como uma dama. Se apresentou no famoso bordel, em formato de violão, de Eny, em Bauru, quando integrava a companhia de Consuelo Leandro. Em São Paulo participou ativamente da efervescência LGBT integrando o casting de boates como Medieval, Nostro Mundo e Homo Sapiens.
Nos anos 2000 entrou para a companhia de teatro Os Satyros, onde além de trabalho, admiradores, amigos, fãs, família, teve o amparo e o carinho merecidos nesses derradeiros dias.