Kyra Piscitelli, do Aplauso Brasil (kyra@aplausobrasil.com)
SÃO PAULO – Eu pelo menos quatro vezes por semana vou ao teatro. Faz parte do meu trabalho de crítica teatral, mas também tem a ver com amor, com tesão e vontade. E não fosse assim não teria por que continuar. É também uma vida de sacrifícios. Menos encontros com os amigos, com a família e tantos outros eventos que ou chego tarde ou nem vou.
Bom, muitos dizem que ser crítico é primeiro gostar de VER teatro. E sim, o teatro é meu lugar. Mas sou antes eterna namorada da arte do que crítica. Explico: dia desses, durante o começo da semana, eu fui a um espaço. E lá só havia eu e a cantina do lugar aberta. Achei estranho, mas era cedo. Sentei, peguei um livro e fui ler. Lá pelas tantas, ouço o seguinte diálogo entre duas pessoas:
– Podemos ir embora sim.
– É! Não veio ninguém.
– Eu ia gostar de ir embora mais cedo. Mas tem uma crítica do APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte). Vamos embora, mas faz o quê? Dispensa a crítica? Manda ela embora?
– Ora, uma crítica? Meu Deus, vamos chamar algumas pessoas. Não podemos dispensar uma crítica que veio ver a peça!
– Acho que dá tempo. Vamos ver o que fazer. A peça tem que ser apresentada…
Bom, a crítica da APCA em questão era eu, que escondia o riso nervoso e constrangimento com o livro na cara.
Pensava comigo: “quem sou eu para mobilizar pessoas? Acontece em um dia de chuva ou protesto. Acontece não ter ninguém”. Por que era uma crítica e me foi dado o poder de avaliar o espetáculo deveria ser encenado? Sem público? E sob uma cidade em águas?
Não sei. Falo por mim que o sonho do crítico é não ser notado. Não quero tratamento especial. Não quero que parem tudo para que eu sente no melhor lugar ou algo assim. Quero ter o direito de admirar e viver o teatro como público. Claro, que não dá para ter a ilusão que sentamos crus e nus de expectativa ou experiências prévias. Nem sou tola de dizer que não olho cada detalhe. Tudo isso é feito com cuidado. Busco também as sensações de plateia – com, talvez, menos inocência.
Ver o teatro vazio e artistas esperando público me dói. Até por que ali também é meu lugar. E gosto de vê-lo fervendo, gosto de ver lágrimas e até de sentir raiva pela peça ser ruim. Teatro é sentimento, é meu pertencimento. O dia que não for mais possível sentir, não terei mais razões para vivê-lo tão intensamente.
No caso, o fim da história foi feliz: apareceram pessoas. Não sei se por Dionísio, mágica, ou telefonemas. A peça aconteceu e foi boa.
Essa não foi a primeira vez que isso me aconteceu, a não ser pelo diálogo inusitado, e nem deve ser a última. Inclusive certa vez até paguei pelo ingresso. Estava constrangida e triste por ter visto algo tão maravilhoso com uma plateia de três pessoas, sendo eu convidada.
Vamos ao teatro! Teatro é alma e só assim vale a pena!