Kyra Piscitelli, do Aplauso Brasil (kyra@aplausobrasil.com)

SÃO PAULO – Não costumo escrever sobre espetáculos que já saíram de cartaz, mas Conselho de Classe é diferente. Diferente por ser um espetáculo importante para discutir educação, pensamento crítico e sociedade. E talvez por essas razões, seja um dos destaques (e concorrentes em três categorias) do Prêmio Shell do segundo semestre de 2013 do Rio de Janeiro. Provavelmente, se ganhar o prêmio (que será divulgado no primeiro trimestre deste ano), a peça possa viajar mais. Hoje falta o famigerado dinheiro. O fato é que a temporada em São Paulo, no Sesc Belenzinho, foi curta para a grandiosidade do texto de Jô Bilac e para a Cia dos Atores.
Conselho de Classe integra o projeto Ethos Carioca, que comemora os 25 anos da Cia dos Atores e que conta ainda com os monólogos LaborAtorial e Como estou hoje.
Mas, voltemos a Conselho de Classe, que tem direção de Bel Garcia e Susana Ribeiro. O espetáculo é primoroso e não pela luz, direção, cenário ou texto. É um conjunto mesmo, desses raros de se ver em cena. Para simplificar, todos os envolvidos conseguem colocar humor e assunto sério na mesma panela. Deixando a peça leve e fazendo pensar.

É na escola que desenvolvemos nossas primeiras relações longe do nosso nicho familiar ou bairrista. Ali somos obrigados a desafios e situações de diversas. E para muitos, senão para todos, é parte fundamental da constituição social do homem. Por isso, a escola é o ambiente ideal para o espetáculo.
Isso por que em Conselho de Classe não estamos falando só de escola, mas de indivíduos e da evolução deles. Ali temos posta vários tipos comuns, com os quais topamos todos os dias.
Para começar, uma professora idosa de português trabalha na biblioteca do colégio. Apesar de todo o conhecimento adquirido, ela está encostada pelo “sistema”. Para não parar, aceita ocupar um posto secundário, como forma de sobrevivência.
Em outro ponto, temos a personagem que já cansada, não quer pensar na precariedade da educação e nem dos graves problemas de um país carente de soluções como o Brasil. O que ela quer é o sonho de muitos: um emprego numa repartição pública, que seja tranquilo e com um bom salário.
Também temos a personagem sonhadora. Dessas que luta e acredita na transformação. Quer atenção para seus projetos e acredita ser a salvadora do mundo. Do outro lado, temos uma professora – que como tantas pessoas de qualquer profissão – quer a glória. Quer colecionar seus méritos e brigar pela ordem. Se sente como uma rainha.
Outra personagem tão comum no século XXI é o diretor substituto da escola. O rapaz novinho chega no “ninho criado” despejando métodos e teorias aprendidos na academia e que pouco tem a ver com experiência de campo. Chega para mandar e quer seu lugar ao sol e o respeito dos demais.
Assim, temos o cenário antropológico da peça, que traz os atores Cesar Augusto, Leonardo Netto, Marcelo Olinto, Paulo Verlings e Thierry Trémouroux à cena.
O espetáculo se passa em um Conselho de Classe, que irá decidir melhorias e questões relacionadas àquela escola pública. A tal reunião começa com um questionamento: nem todos os participantes comparecem. Parte deles preferem delegar decisões aos colegas do que estar presente. Comportamento comum hoje em dia. Tempo em que se fala do “ativismo de sofá”, feito em redes sociais ou nos discursos vazios de atitude concreta.

Ainda assim, os presentes ali não parecem preocupados com a real democracia. O conselho é formado somente por professores e não tem pluralidade – com funcionários, alunos ou representantes do bairro. Será mesmo que pretendem mudar algo?
Entre brigas, questões pessoais e escolares, uma em especial assombra a reunião: o afastamento da diretora depois de uma manifestação dos alunos. A diretora foi ferida em um protesto dos alunos.
Os alunos se manifestaram depois que um deles foi impedido de entrar na escola usando boné. Aí entra mais um ponto levantado pela peça: o que é regra? O que pode ser quebrado e como ou qual o limite da reivindicação e da repressão?
O uso dos uniformes entra na pauta da cena também. Seria uma forma de impedir que uns se mostrassem melhores do que os outros ou de homogeneizar uma massa de diferentes, anulando tais personalidades ou grupos?
O enredo da peça me fez lembrar do “saiaço”, que aconteceu no Colégio Bandeirantes, um dos mais tradicionais de São Paulo. Em meados de 2013, um aluno do sexo masculino teria sido convidado a voltar para casa depois de aparecer de saia na festa junina da escola. Em resposta, vários alunos – dos sexos feminino e masculino – apareceram de saia no dia seguinte. O protesto e o caso deu o que falar na imprensa. Análises, entrevistas e reportagens para todo o lado.
Inclusive, em Conselho de Classe há outro fato curioso: todos os atores são homens, mas representam mulheres, com exceção do diretor novato. Uma inversão feita e interpretada pelos atores de forma incrível e, principalmente, natural.
O espetáculo é repleto de frases de pensadores. Entre Paulo Freire, Dias Gomes e outros, compartilho uma frase do mestre Darcy Ribeiro, que tudo tem a ver com a peça: “Só há duas opções nesta vida: se resignar ou se indignar. E eu não vou me resignar nunca”.
CIA DOS ATORES
Formada em 1988, no Rio de Janeiro, por Bel Garcia, Drica Moraes, César Augusto, Gustavo Gasparani, Marcelo Olinto, Marcelo Valle e Susana Ribeiro, em torno do diretor e também ator Enrique Diaz, a Cia dos Atores foi criada com o objetivo de suprir uma necessidade de estudar e experimentar novas possibilidades da cena teatral. A partir de 2004, com uma sede de trabalho localizada na Lapa, esse caminho de pesquisa e renovação permanente de linguagem artística se fez possível e frutificante.
FICHA TÉCNICA – CONSELHO DE CLASSE
Com Cesar Augusto, Leonardo Netto, Marcelo Olinto, Paulo Verlings, Thierry Trémouroux e Sérgio Maciel.
Figurino de Rô Nascimento e Ticiana Passos.
Cenário de Aurora dos Campos.
Iluminação de Maneco Quinderé.
Trilha original de Felipe Storino.
Direção de produção de Tárik Puggina.
INDICAÇÃO: 12 anos
Estreou em 09/01 – última apresentação 16/02 (datas de São Paulo)
Conselho de Classe comemora os 25 anos da Cia dos Atores (RJ), e está indicado em três categorias ao Prêmio Shell 2013 – melhor direção, texto e cenário.
Texto de Jô Bilac e direção de Bel Garcia e Susana Ribeiro.