SÃO PAULO – Um grande artista é capaz de potencializar seus mais singelos feitos e o ator Lee Taylor pertence a essa seleta estirpe. O que era pra ser a conclusão dos dez meses de mergulhos pedagógicos sobre a arte de interpretar promovido pelo Núcleo de Artes Cênicas (NAC), DOC.malcriadas, concebido e dirigido por Lee Taylor, também coordenador do curso, torna-se uma necessária reflexão sobre a ancestral subjugação da classe abastada à “criadagem”.
A partir das memórias vividas, sonhadas ou imaginadas de Cleide, uma das empregadas de uma mansão, é descortinado o cotidiano de trabalho quase escravo, os direitos quase nulos e os deveres excessivos.
Infelizmente quase nada, entre a relação patrão versus empregado, mudou. Não há mais o tronco, mas o minguado salário é subtraído caso a “criada” quebre uma porcelana que limpa ou queime a barra rendada do vestido de seda.
O ancestral de nosso imperialismo marcado por quase 400 anos de escravidão ainda respinga em como tratamos, ou como alguns tratam, as empregadas domésticas. A senzala são os minúsculos quartinhos sem nenhum arejamento. A ração é a sobra do que o patrão come. Quando o patrão sai, leva a chave: os empregados, como os escravos, são privados de sua liberdade.
O apogeu da repetição do comportamento escravista na relação patrão-empregado está no “direito” que o patrão pensa ter sobre o corpo de sua empregada. Para investigar as personas do espetáculo as atrizes-aprendizes recorreram à entrevistas com domésticas (daí o prenome DOC de teatro documentário) e, segundo apresentam, a parte mais dramática e pungente diz respeito ao assédio sofrido pelas empregadas domésticas.
As questões evocadas pelo espetáculo são bastantes interessantes, entretanto as intérpretes carregam a insegurança do amadorismo, o que é aceitável. Com algumas apresentações, o jogo cênico deve se ajeitar e as intérpretes amadurecerem.
Quanto à encenação, Lee Taylor apresenta um cuidado expressivo nos mais ínfimos detalhes: as ações físicas dão suporte à interpretação, a cenografia, os elementos cênicos minimalistas e bastante eficazes, a iluminação e a trilha sonora dão qualidade estética profissional ao espetáculo.
Ao fim o publico ainda pode participar de um profícuo bate-papo em que detalhes do processo são divididos.
“DOC. malcriadas”
Teatro João Caetano
Rua Borges Lagoa, 650 – Vila Clementino São Paulo – SP
De 21 de fevereiro a 1 de março de 2020
Sextas e sábados, 21h e domingos, 19h
Classificação indicativa: 14 anos
Duração: 90 min.
Entrada Gratuita
Capacidade I 438 pessoas
Centro Cultural Olido
Av. São João, 473 – Centro Histórico São Paulo – SP
De 27 de março a 19 de abril de 2020
Sextas e sábados, 20h e domingos, 19h
Duração: 90 min.
Entrada Gratuita
Sala Olido | Capacidade: 297 lugares