Michel Fernandes, do Aplauso Brasil (michel@aplausobrasil.com.br)
SÃO PAULO – Como a valsa de Diabelli precisou de variações feitas pelo genial Beethoven para sair do obscurantismo da mediocridade e ser mote de uma obra-prima da música erudita, assim, me parece, é o desejável percurso tomado pelo texto do venezuelano Moisés Kaufman: as notas do que poderia ter uma simplória leitura de um drama de superação alcançam a beleza de uma sinfonia graças às habilidades dos intérpretes que a executam. O todo da montagem, dirigida por Wolf Maya – que dá vida à Beethoven – agrada, mas a interpretação de Nathalia Timberg que dá ao espetáculo a estatura de obrigatório. O desenho da musicóloga Katherine Brandt, personagem que interpreta, é feito de infinitas tonalidades, plenas de sutil delicadeza, não apenas 33 Variações como o é o título da obra em cartaz no Teatro Nair Belo, mas infinitas variações.
Em pleno vigor e maturidade artística indiscutível, Nathalia Timberg é mestre que precisa de reverência e absoluta atenção das gerações mais jovens, sobretudo dos atores, mas não apenas desses, por mostrar que em seu ofício – no caso o teatro – a utilização de todo o instrumental de que dispõe – no caso, seu corpo e sua voz – e cuja execução é imprescindível para compor sua obra, libera a melodiosa alquimia que o torna número primo em sua profissão – no caso, a arte de interpretar.
Acometida por esclerose lateral amiotrófica, a mesma doença que atinge o físico Stephen Hawking, Katherine, musicóloga empenhada em descobrir os motivos misteriosos que envolvem a criação das Variações Diabelli – considerada uma das obras primas de Ludwig van Beethoven, a partir da medíocre valsa do austríaco Anton Diabelli – decide embarcar para Berlim, apesar das recomendações médicas que tentam demovê-la da ideia. Ela sabe que sua doença é degenerativa, que perderá, gradativamente, o controle muscular, mas o desejo de se aprofundar no conhecimento daquilo que a inflama, a música, e, sobretudo, a alma humana, gera a frase que define aqueles que têm consciência de que é urgente executar a obra a que se propõe “… porque não sei como estarei amanhã!”. Sei o que ela sente, porque também tenho uma doença neuromuscular degenerativa – graças a Deus controlada! -, então sei do desejo infinito e incontrolável de ser intenso – ou como sintetiza Fernando Pessoa “Para ser grande, sê inteiro” – em tudo na vida. E é preciso uma intérprete com entrega incondicional, apaixonada, como se fosse um kamikaze, e Nathalia Timberg tem essa entrega visceral.
33 Variações de Beethoven tem uma carpintaria dramatúrgica interessante, em que a peça se passa nos dias atuais, mas, também, no início do século XIX, quando Beethoven escreve as Variações Diabelli. Cria-se, involuntariamente, um paralelo entre as histórias de Katherine e Beethoven: ambos passam por processos de perda de autonomia física, ela de seus movimentos, ele de sua audição e ambos deixam eternas, cada qual a sua maneira, suas obras.
A cenografia de J.C. Serroni, aliada à direção de Wolf Maya – a utilizar todas as variáveis do espaço cênico -, conferem dinâmica ao espetáculo que tem o pianista Silas Barbosa (Clara Sverner, pianista convidada, é a intérprete oficial) executando as Variações Diabelli, de Beethoven, ao vivo.
O competente elenco é formado por Nathalia Timberg, Wolf Maya, André Dias, Lu Grimaldi, Flávia Pucci, Gil Coelho e Gustavo Engracia.
33 VARIAÇÕES – Teatro Nair Bello. Texto – Moisés Kaufman. Tradução – Nathalia Timberg. Concepção e Direção – Wolf Maya. Elenco – Nathalia Timberg, Wolf Maya, André Dias, Lu Grimaldi, Flávia Pucci, Gil Coelho e Gustavo Engracia.Pianista Convidada – Clara Sverner. Cenografia e Objetos – JC Serroni. Iluminação – Aurélio de Simoni. Engenheiro de Som – Branco Ferreira. Figurinos – Tatiana Rodrigues. Direção Musical – Natalia Trigo. Visagismo – Marcelo Dias. Videografismo e Projeções – Rico Vilarouca e Renato Vilarouca.Fotografia – Leekyung Kim. Produção – Escola de Atores Wolf Maya e Gelatina Cultural. Direção de Produção – Ricardo Grasson. Produção Executiva – Olívia Maciel e Tiago Martelli. Duração – 120 minutos. Recomendado para maiores de 14 anos. Ingressos – R$ 120,00 e R$ 60,00 (meia-entrada) a venda pelo site www.ingresso.com. Temporada – Sextas-feiras e sábados às 21 horas e domingos às 19 horas. Até 11 de dezembro.
TEATRO NAIR BELLO – SHOPPING FREI CANECA – Rua Frei Caneca, 569 – 3º piso – Shopping Frei Caneca – Consolação. Telefone – (11) 3472-2414. Capacidade – 201 lugares.