Michel Fernandes*, do Aplauso Brasil (Michel@aplausobrasil.com)

SÃO PAULO – Já de volta desta ode às artes cênicas que é o Festivall de Teatro de Curitiba, algumas considerações sobre o que vi devem ser feitas. Este texto fala sobre um dos destaques da Mostra Ademar Guerra (Fringe), cujas sessões estavam sempre lotadas e eram marcadas por aplausos e comentários bastante entusiasmados, o espetáculo O Arquiteto e O Imperador da Assíria, de Fernando Arrabal, com a Cia. de Dois, de São José dos Campos (interior de São Paulo).
Um acidente aéreo deixa o único habitante da ilha assustado a ponto de tentar enterrar a própria cabeça na areia. O único sobrevivente entra e cutuca o habitante que está com a cabeça sob areia e pede auxílio para o único sobrevivente do avião que acaba de cair, no caso ele mesmo, e o aborígene responde com sons guturais. Blackout. Ao voltar a luz se passou algum tempo, o suficiente para que se inicie a estratificação social entre os dois únicos habitantes da ilha: o sobrevivente, doravante Imperador do imaginário império da Assíria, ensina a cultura e civiliza o “bárbaro” Arquiteto até que o mesmo, detentor de metafísica conexão com a natureza (pássaros, rochas, evocação do dia ou da noite, seja “expulso do paraíso”, após um crime supostamente cometido, e perca o mágico comando que detinha.
Obra-prima de Arrabal, o desenvolvimento da interessante trama, ganha encenação, de Léo Antunes, que potencializa os méritos do texto. Integrante da companhia de teatro Balagan, Léo trabalhou elementos corporais que fazem a diferença do espetáculo. A consciência corporal, o domínio vocal – tanto o entendimento do texto e suas nuanças quanto os diferentes registros utilizados – dão um sabor especial a esse O Arquiteto e o Imperador da Assíria, terreno singelo para duas grandes interpretações: Jean de Oliveira (O Arquiteto) e Jonas di Paula (o imperador).
O cotidiano daquela ilha que poderia ser cravado pela monotonia, já que comporta apenas dois habitantes, é recheado das histórias que o Imperador, o alter-ego do sobrevivente do acidente aéreo, conta para o Arquiteto, título com o qual nomeia o nativo da ilha, histórias que imaginariamente viveu.
Mas o ponto do espetáculo é a representação do julgamento ao qual é submetido o Imperador. O domínio corporal e vocal dos atores fica expresso nos detalhes com que representam o caráter físico e vocal de cada um dos personagens, estabelecidos por expressivas máscaras, que vivem.
Assertivo, Léo Antunes conduziu a montagem de O Arquiteto e o Imperador da Assíria proporcionando um jogo primoroso entre atores, capacitando-os com elementos inventivos que redunda nas excelentes atuações.