Kyra Piscitelli, do Aplauso Brasil (kyra@aplausobrasil.com.br)
SÃO PAULO – Pedaço de mim é uma das peças que mostram que nem sempre o conhecimento da vida real não se transforma em um bom teatro. Com a intenção de levar aos palcos e discutir a associação entre dor e prazer, o espetáculo falha no quesito teatro. O teatro pode ser sim realidade crua, mas como se conta é a chave do sucesso. É talvez a diferença entre teatro e vida. Todo pode ser real, sem ser exatamente verdade. Esse jogo faz toda a diferença.
A verdade é que ali nada parece fazer sentido a não ser a agonia de estatística sendo jorradas na plateia, frases e situação que não se conectam bem e de e uma atriz muda por uma hora, “interpretada” por Lara Kadocsa, que assina também a assistência de direção.
Não há dúvidas que o psiquiatra e dramaturgo Bernardo de Gregorio sabe bem do que fala em cena. Outro fato é que, certamente, o espetáculo trata de uma temática importante. A grande questão é forma que isso é trazido, ou a falta de forma. Não há história ali.
Em cena, além de Lara, uma mulher (interpretada por Patrícia Rizzo) com Transtorno Borderline “divaga sobre os significados psicossociais de comportamentos que desafiam o instinto de autopreservação”. Divagar, palavra que tirei do próprio release, é mesmo a palavra adequada para traduzir o que o espetáculo traz.
Momentos de fúria, momentos de arrependimento, de pensamentos, objetos jogados, marcas de canetinha pelo corpo (recurso que usei pela primeira vez em um teatro da escola, para mostrar a cabeça de João Batista decapitada). Uma cadeira de rodas e nada que esclareça sobre o transtorno para além da aflição de viver nessa montanha russa de sentimentos.
Por que não realmente mostrar a história dessa mulher? O diagnóstico e aí então as suas instabilidades, mutilações ou o que fosse? O público precisa identificar uma história, entrar nela para se solidarizar com o personagem e, então, estaria pronto para na hora da pizza, após a peça, discutir ou pesquisar sobre.
Infelizmente, uma ideia incrível não se concretizou cenicamente. Pedaço de Mim é mesmo um espetáculo de pedaços, sem um inteiro que o faça sentido existir. Prova de que a pesquisa, apenas, não salva um bom espetáculo. Sai da pequena sala experimental do Teatro Augusta nostálgica de uma boa história, um velho folhetim, talvez. Ainda que inovadora ou didática, a dramaturgia tem que ter um sentido para além do conhecimento. Falta teatro e sobra situações em cena.
SINOPSE
Uma mulher com Transtorno Borderline, que teve uma de suas pernas amputada, conversa com o público sobre questões de seu cotidiano. Ela só encontra alívio para sua dor emocional por meio da dor física. A dramaturgia adota esse transtorno psiquiátrico para criar uma reflexão sobre os movimentos autodestrutivos e autopunitivos do ser humano em diferentes níveis, da automutilação dos distúrbios psiquiátricos às situações comuns praticadas por todos nós.
FICHA TÉCNICA
Dramaturgia: Bernardo de Gregorio
Colaboração de dramaturgia: Raquel Marinho
Direção e trilha sonora: Bernardo de Gregorio
Assistência de Direção: Lara Kadocsa
Elenco: Patrícia Rizzo e Lara Kadocsa
Cenário e figurino: Bernardo de Gregório e Patrícia Rizzo
Iluminação: Wagner Pinto
Produção: Patrícia Rizzo Produções Artísticas
SERVIÇO
“Pedaço de Mim”, de Bernardo de Gregorio
Teatro Augusta – Rua Augusta, 943 – Cerqueira César
Sala Experimental
Temporada: de 7 de outubro a 3 de dezembro
Aos sábados, às 21h; e aos domingos, às 19h
Ingressos: R$40 (inteira) e R$20 (meia-entrada), com vendas na bilheteria do teatro ou pelo site Ingresso Rápido.com.br
Duração: 70 minutos
Classificação: 16 anos
Gênero: drama
Lotação: 50 lugares
Informações: (11) 3151-4141
Página do Facebook: https://www.facebook.com/pedacodmim/