Michel Fernandes, do Aplauso Brasil (michel@aplausobrasil.com)

SÃO PAULO – Inaugurar um projeto da envergadura do SHAKESPEARE 39 é tarefa sinuosa já que, conforme o dito popular, a primeira impressão é a que fica. Ricardo III, traduzida e adaptada, com mérito, por Jorge Louraço e dirigida por Marcelo Lazzaratto, cuja originalidade da montagem responde sobre a necessidade de se encenar um clássico do bardo inglês sob diferentes leituras cênicas, tem na condução da eletrizante interpretação, feita pelo ator Chico Carvalho, o alicerce de qualidade em que o espetáculo, em cartaz até 23 de fevereiro no Centro Cultural São Paulo (CCSP), se movimenta. O pesquisador polonês Jan Kott, em seu excelente ensaio Os Reis, primeiro capítulo de Shakespeare Nosso Contemporâneo, escreve que para que mergulhemos no universo shakespearano é necessário que iniciemos pelas crônicas históricas e, sobretudo, pelos dois Ricardos (II e III). Portanto, podemos considerar bastante assertiva a escolha da peça abrindo um projeto que ambiciona dedicar-se à encenação de todas as obras do autor, ator, diretor e chefe de companhia teatral da Inglaterra elisabetana.

As boas escolhas, contudo, ultrapassam a opção em se montar Ricardo III, mas também residem na original abordagem escolhida pelo diretor Marcelo Lazzaratto na condução seca e direta que dá à trama fôlego contemporâneo, a aproximar o jogo da ambição pelo poder à que Ricardo – que não poupa irmãos, sobrinhos e esposa, além de aliciar comparsas, também inescrupulosos, para realizar seu intento – se dedica, como o é nosso obscuro jogo político ao desvelar coligações partidárias e votos em projetos de leis que nos pareciam improváveis. O tom da utilizada teatralidade é dado desde o inicio de Ricardo III, quando Chico Carvalho, intérprete, com vigor eletrizante e domínio corporal insuspeito, do personagem título, corporifica as palavras do texto que falam sobre suas deformações físicas que o distancia da vivencia amorosa. É a essência da concepção: colocar o ator no lugar de quem tem ciência do que faz e revelar aos espectadores como faz. Evidentemente que o superlativo talento de Chico Carvalho possibilita o minucioso efeito duplo alocado a esse Ricardo. O ator não permanece toda a cena curvado, manco e torto como é descrito, mas é como se o físico do ator refletisse o imaginário da personagem: sua postura ereta e imponente parece mais adequada às vilanias feitas pelo soberano. Há, ainda, interessante quebra postural quando Ricardo está fragilizado, em que a postura física da personagem se torna mimética ao que relata o texto.

Outro recurso a reforçar a teatralidade da cena é o mesmo ator interpretando vários personagens. Todavia, esse recurso pode acarretar uma certa confusão em acompanhar quem é quem, mas claramente a opção da encenação não é demarcar os personagens históricos do período em que se passa a trama, a Guerra das Rosas, mas, evidenciar a engrenagem sórdida rodada pelos sedentos de poder. Ao privilegiar o trabalho dos atores que dizem seu texto com organicidade, própria de quem estudou a obra e sabe perfeitamente o que está falando, e domínio de seu instrumento vocal – é tão bom ouvir a poesia e os jogos de palavras, típicos de Shakespeare, ditos de maneira clara e com propriedade! –, Lazzaratto atingiu certa unidade de interpretação na montagem, sendo destacáveis, além de Chico Carvalho, os atores André Correa, dócil, firme e verdadeiro como Clarence; o dissimulado e ambicioso Buchingham, primo de Ricardo, interpretado por Marcos Suchara; a elegância e serenidade de Imara Reis como a Duquesa de York; a dúbia Elizabeth criada por Mayara Magri, e a rainha Margareth vivida pela excelente atriz Renata Zhaneta que dá à personagem uma dimensão profética tal qual Cassandra ou Sibila da mitologia grega. A cenografia de Kleber Montanheiro dialoga com muita inteligência com a proposta da montagem, com uma espécie de arena circular elevada em relação a altura do palco – como se revelasse o espaço em que se baila a dança da vil politicagem -, avançando em direção ao proscênio e contendo plateia e outros espaços do teatro na cena. Luz, de Wagner Freire, e trilha sonora, de Daniel Maia, discretas no geral, são responsáveis pelo ótimo e teatral das mortes. FICHA TÉCNICA DE RICARDO III Elenco: Chico Carvalho…………….Ricardo III Mayara Magri……………..Rainha Elizabeth André Corrêa………………Clarence/Prefeito/ Cidadão Evas Carretero…………….Brakenburry/Catesby Fernando Nitsch………….Hastings/Tyrrel Heitor Goldflus…………….Rei Eduardo IV/ Bispo/ Cidadão Imara Reis………………….Duquesa de York Isis Valente…………………Madame Shore Marcelo Moraes………….Assassino 2/ Grey Marcos Suchara………….Buckingham Maria Laura Nogueira….Lady Anne/Cidadão Mario Luiz………………….Assassino 1/Stanley/Cidadão Rafael Losso……………….Richmond/ Rivers Renata Zhaneta………….Margareth/Cidadão De: William Shakespeare Tradução/Adaptação: Jorge Louraço Direção Geral: Marcelo Lazzaratto Assistência de Direção: Wallyson Mota Direção de Produção: Alexandre Brazil e Erike Busoni Produção Associada: Christiane Tricerri Assistência de Produção: Daniele Cardoso Direção Musical: Daniel Maia Cenografia: Kleber Montanheiro Iluminação: Wagner Freire Figurino: Marichilene Artisevskis Camareira: Isis Valente Contrarregra: Sergio Sasso Design do site: Fernando Valini Realização: SE4 Produções, Escritório das Artes e Cia da Matilde SERVIÇO Estreia: Sexta-feira, 17 de janeiro de 2014, às 20h30. Local: Centro Cultural São Paulo – Sala Jardel Filho (Rua Vergueiro, 1.000, São Paulo-SP – ao lado da estação Vergueiro do Metrô). Informações pelo telefone (11) 3397-4002. Temporada: Sextas e sábados, às 20h30; e domingos, às 19h30. Até 23 de fevereiro de 2014. Ingr.: R$ 20; R$ 10 (meia-entrada). Clientes Vivo Valoriza têm 50% de desconto em até 2 ingressos mediante voucher impresso no site. Dia preço popular: 21/02 – valor do ingresso R$ 3,00 (três reais). Lotação: 321 lugares (disponível para a venda: 271 lugares). Duração: 150 minutos (com intervalo de 10 minutos). Classificação Etária: 12 anos. Serviço de venda de Ingressos: Bilheteria do teatro (2 horas antes do início do espetáculo). Aceita dinheiro, cheque e cartão de crédito. Estacionamento: Não possui. Acesso para deficientes / Lanchonete / Ar Condicionado Promoção: Rede Globo e Alpha FM. Promoção: Rede Globo e Alpha FM. Apoio Institucional: › Ministério da Cultura, Lei Federal de Incentivo à Cultura – Rouanet e Governo Federal – país rico é país sem pobreza. › PROAC – Programa de Ação Cultural do Estado de São Paulo. › “Este projeto foi contemplado pelo PRÊMIO FUNARTE DE TEATRO MYRIAM MUNIZ/2013”. › “Projeto apoiado pelo Governo de São Paulo, Secretaria de Estado da Cultura, Programa de Ação Cultural 2011/2012”.