Michel Fernandes, do Aplauso Brasil (michel@aplausobrasil.com)

SÃO PAULO – Quando o ator Felipe de Carolis propôs a montagem de Incêndios talvez ainda não soubesse a proporção de excelência que o espetáculo escrito pelo libanês radicado no Canadá, Wadji Mouawad, alcançaria. Mesmo que o diretor, Aderbal Freire-Filho; protagonista, Marieta Severo; ele mesmo, encarnando um dos gêmeos, e alguns outros atores estivessem confirmados, o elenco completo ainda não fora definido. A escolha dos atores e a divisão dos papeis feita por Aderbal não poderia ser melhor e merecem olhares atentos de aprendiz do público que lota o Teatro Faap.
Atreladas em harmonia impecável, teatralidade e verdade tornam eletrizante o jogo cênico proposto ao espectador. A tradução impecável do texto é assinada por Angela Leite Lopes que conserva a organicidade versus poesia do original. O cenário maciço de Fernando Mello da Costa é, ao mesmo tempo, simbólico, belo e funcional; os sóbrios e singelos figurinos de Antonio Medeiros sugerem sem definir épocas ou diferenciar ocidente e oriente, a pontual trilha de Tato Taborda dialoga com a dramaturgia da cena, e Luiz Paulo Nenen criou uma luz capaz de orientar-nos no vai0e-v´rm temporal e geográfico que há no texto, enfim é preciso um trabalho titânico para atingir a esfera que Incêndios alcança.

Com igual parcimônia, Aderbal Freire-Filho extraiu o melhor de cada um dos atores atingindo o desejável equilíbrio em seu elenco. Aqui a teatralidade também se entrelaça com a naturalidade defendida com extrema verdade pelo elenco.
Coube à atriz Marieta Severo interpretar Nawal em suas diferentes fases – aos 14, 40 e 60 anos de idade, sendo na estreia oficial da peça (Canadá, 2003) o personagem dividido entre três atrizes que viveram as distintas fases – o que evidencia a valorização do pacto da teatralidade tornado o espectador partícipe do jogo cênico sem a necessidade de efeitos ilusionistas. O trabalho delicado, preciso e precioso da atriz consiste em sutis alterações de voz e na energia corporal. Impressionante como a Nawal de 14 anos tem a leveza da juventude, um tom de voz fresco como sua tenra idade; a Nawal aos 40, vivendo meio à Guerra Civil do Líbano, está aterrada ao solo como se a força da gravidade tivesse sugado toda suas esperanças, seu tom de voz é mais grave, fala de maneira direta e densa; já a Nawal de 60 anos carrega em sua sobriedade vocal e corporal o enigma da esfinge que só ao final do espetáculo será revelado. Marieta trabalha na composição das inúmeras facetas de sua personagem feito artesã barroca, valorizando cada aspecto para resultar num todo repleto de talento, e, consegue isso, sem abrir mão da verdade cênica.
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O espectador tem nos gêmeos, Simon e Jeanne, seu representante direto na trama. Interpretados por Felipe de Carolis e Keli Freitas, os dois personagens descobrem os mistérios sobre a origem real do que julgavam ser a realidade dos fatos e, com verdade e naturalidade no desenvolvimento de seus respectivos papeis, somos conduzidos pelos personagens e incitados a colocar em cheque nossas, outrora, inabaláveis certezas.
O tabelião Hermile Lebel, interpretado com marcante sobriedade e equilíbrio pelo ator Marcio Vito, incentiva os gêmeos para que cumpram os derradeiros pedidos de Nawal.
A atriz Kelzy Ecard vive Sawda, a melhor amiga de Nawal, encantada com o fato de Nawal saber escrever, resolve acompanha-la em sua busca pedindo que a ensine ler e escrever. Assim como se dá com Marieta, a linha de transformação, vocal e corporal, se dá de maneira sutil mas notável, sem ser necessário a utilização de qualquer recurso exterior aos instrumentos que compõem um ator: corpo, voz e, no caso, talento.

Além de outras duas personagens, a atriz Fabianna de Mello e Souza, por exemplo, vive três mulheres do flashback de Nawal aos 14 anos de idade. Sem sair de cena e mudando, com delicada sutileza, as posturas vocais e físicas de cada uma das personagens – a mãe, a avó e a parteira de Nawal -, a atriz consegue passar verdade igual, diferenciando cada uma delas. Nazira, a avó, é uma pérola inesquecível desse triângulo de papeis.
Na esteira de atuar em diversos papeis e conseguir diferenciá-los sem precisar mais do que voz, corpo, verdade e impressionante fé cênica, Isaac Bernart mostra toda sua versatilidade ao interpretar o jovial Wahab e o centenário Abdessamad.
Flávio Tolezani interpreta pequenos papeis, antes de dar vida ao sombrio Nihad, que depois muda de nome, um franco-atirador que parece ser fanático por talk-shows – aqui temos uma sutil crítica de Mouawad à espetacularização da guerra – e interpreta uma entrevista que dá, num inglês defeituoso – outra crítica? À CNN que transformou a Guerra do Golfo em show pirotécnico? –, a Kirk, o imaginário apresentador de programa televisivo.
Como podemos notar, há um sem-número de motivos para não se perder Incêndios.
Ficha Técnica:
Autor:Wajdi Mouawad
Tradução: Angela Leite Lopes
Direção: Aderbal Freire-Filho
Com Marieta Severo, Felipe de Carolis, Keli Freitas, Marcio Vito, Kelzy Ecard, Fabianna de Mello e Souza, Flávio Tolezani e Isaac Bernat
Cenografia: Fernando Mello da Costa
Iluminação: Luiz Paulo Nenen
Figurinos: Antonio Medeiros
Trilha Sonora: Tato Taborda
Direção de Produção: Maria Siman
Produção Executiva: Luciano Marcelo
Produtores: Maria Siman, Felipe de Carolis e Marieta Severo
Produtor associado: Pablo Sanábio
Idealização do Projeto: Felipe de Carolis
Realização: Primeira Página Produções, Emerge e Teatro Poeira
Serviço:
Incêndios
Estreia: 19 de setembro
Temporada: até 14 de dezembro
Local: Teatro FAAP
Endereço: Rua Alagoas, 903 – Higienópolis, São Paulo – SP
Horários:
Sexta-feira, às 21h
Sábado, às 21h
Domingo, às 17h
Preços:
Sexta-feira: R$ 60,00 (inteira)
Sábado e Domingo: R$ 90,00 (inteira)
Televendas: 3662-7233 e 3662-7234
Bilheteria: quarta a sábado, de 14h às 20h. Domingo, de 14h às 17h
Compras on-line: www.teatrofaap.showare.com.br
Duração: 120 minutos