Afonso Gentil, para o Aplauso Brasil (redacao@aplausobrasil.com)

SÃO PAULO – O teatro, vez ou outra, busca na literatura clássica combustível para montagens direcionadas ao público juvenil, historicamente mal servido de atrações para a sua faixa etária. Quando a adaptação para o palco cai em mãos experientes, o bom sucesso está fincado em raízes fortes. É o caso desta caprichada e bem produzida versão cênica do romance indianista de José de Alencar O Guarany, Tô índio no circo, cartaz do Teatro Alfa B nos sábados e domingos às 16 horas até dezembro.
Marcelo Zurawski, que acumula as funções de diretor e ator, como adaptador não deixou escapar referências atemporais, trazendo para nosso tempo, através de diálogos espirituosos e irreverentes, o mundo ingênuo em que se defrontavam mocinhas, bichos e índios. Mais para o fim da trama, recursos de força física, arma de fogo e números de mágica podem deixar os menores de 6 ou 7 anos assustados. É o desafio de todas as montagens com bilheteria aberta, que impede restrições etárias aos pais.
A onça, que está afim das mocinhas (a portuguesinha Cecí e a amiguinha índia Potira) vai se sair muito mal na empreitada, pois, eis que na área do perigo aparece o índio da paz Perí, de sobrenome “feria”, um trocadilho de saborosa atualidade. As intervenções do vilão Loredano, que não se conforma em ser passado prá trás em suas investidas amorosas com Cecí, possibilitam muitas cenas de brigas, correrias e ameaças, sempre divertidas.
A música ao vivo está sempre atenta aos climas das cenas, acentuando os momentos de suspense ou utilizando ritmos populares em voga, cativando a plateia. A partitura da ópera O Guarany, de Carlos Gomes, é utilizada em tom levemente satírico remetendo os mais velhos à vinheta de “A Hora do Brasil”, programa radiofônico obrigatório em todo o país,ás 19 horas.

O elenco, dirigido por Marcelo Zurawski, com competência e segurança na fusão de texto-musica-movimento , é cheio de vitalidade, de muita energia, jogando-se ao lúdico na medida. André Martins, vibrante sempre, tempera a caricatura do vilão com um fundo de autopiedade. O índio Perí, de Tucci Fattore, faz contraponto aos rompantes do vilão com uma seriedade zombeteira que não esconde o comentário afetuoso à raça índia, tão cara à nós, brasileiros.
Marcelo Zurawsi, aqui também transmite seu à vontade de veterano do palco, seguido de perto pelo elenco feminino (Natália Kwast, Regina Lopes e Renata Maciel), elas ainda exibindo habilidades circenses.
Depois de tantos anos voltado ao julgamento das estreias do teatro para adultos, para o prêmio anual dos melhores da APCA, foi este um feliz reencontro com o teatro infanto-juvenil que, aliás, praticamos no auge do Teatro de Arena, com uma adaptação circense de As Artimanhas de Scapino, de Molière, uma experiência altamente gratificante para nós.