Michel Fernandes, do Aplauso Brasil (michel@aplausobrasil.com)

SÃO PAULO – Pense que Ele telefonasse desesperado para você. Pense que você fosse uma terapeuta. Pense que, embora tenha criação judaica, você não acredita na existência de Deus. Pense que o Todo-Poderoso entrou na sua casa e espera você para começar uma seção de terapia. Improvável? Absurdo? Pode parecer estranho, a priori, o mote de Meu Deus!, mas a medida que a franca conversa entre Ana e D transcorre, percebemos o quanto desejamos esse necessário diálogo que nos torna testemunhas oculares dessa sagrada cerimônia de reconciliação.

Divertido, simples, inteligente, são alguns adjetivos que se encaixam perfeitamente ao texto da dramaturga israelense Anat Gov, cuja carpintaria dramatúrgica por si utilizada em Meu Deus! equaliza, na medida, recursos cômicos forjados em diálogos que representam dúvidas e apontamentos que qualquer um de nós carregamos.
Ana é ateia e não acredita quando o paciente revela de quem se trata, mas Deus a faz recordar que nos momentos mais cruciais é a ele a quem dirige reclamações e xingamentos. Ela tenta se justificar dizendo que é a um “personagem imaginário” a quem se pronuncia, então o Todo Poderoso fala sobre coisas muito íntimas e ela acaba se convencendo que é Ele em pessoa.

O diálogo improvável entre Deus e uma terapeuta, contudo, é absolutamente verossímil e parece seguir a mesma lógica de alguns textos considerados como “Teatro do Absurdo”. Talvez seja o Godot esperado por Beckett, de Esperando Godot, que “baixou” no texto de Gov na forma de Deus e, então, resolve quebrar o gelo e falar de seu descontentamento com os homens e consigo mesmo, de maneira simples, direta e naturalista.
A versão brasileira, assinada por Célia Regina Forte, evidencia o bom humor extraído de coisas sérias. Temas como as guerras em nome de Deus, embora Ele deixe bastante claro que as religiões são criações dos homens e não Suas; o excesso de pedidos e reclamações em detrimento dos agradecimentos ou conversas afetuosas com o Criador, entre tantas outras passagens do texto nos leva a repensar sobre a relação que temos ou poderíamos ter com o Deus-que-nos-habita. E, já que somos feitos à Sua imagem e semelhança, podemos pensar, também, que todas as relações humanas são atos sagrados e merecedores de nosso respeito e cuidado. Fica aqui o pedido pela publicação do texto da peça.

No papel da inteligente e questionadora terapeuta Ana, a atriz Irene Ravache dá uma pluralidade de matizes emocionais à sua personagem, pintadas com transbordamento de verdade em suas ações e reações, que é impossível ao público não se conectar com ela e se sentir como protagonista do que assiste.

O cruel e violento Deus do primeiro testamento, arrogante em sua onipotência, vivido com destreza, vigor e, também, muito pleno de verdade, ator Dan Stulbach deixa cair a máscara de “justo e misericordioso”, demonstrando fragilidade e culpa quando Ana questiona algumas de suas atitudes, sobretudo as descritas n’ O Livro de Jó e seu “desaparecimento” durante todo o segundo testamento.
Em breves aparições, o ator Pedro Carvalho – que interpreta Paulo, o filho de Ana, cujo estágio de seu autismo o impede de falar – segue a mesma base verdadeira de interpretação, com sensibilidade e doçura. É acalentadora a ternura de sua relação com Ana.

O arquiteto da simplicidade que emana de Meu Deus! – elenco, cenário (Antonio Junior), figurino (Fause Haten), iluminação (Wagner Freire) e trilha musical (Jonatan Harold) – leva a assinatura do ator, autor e diretor Elias Andreato, cuja trajetória de múltiplos sucessos ganha, com esse espetáculo, mais um espaço de destaque no teatro paulistano.
Ficha Técnica:
Texto Anat Gov
Adaptação Jorge Schussheim
Tradução Eloísa Canton
Versão Célia Regina Forte
Direção Elias Andreato
Elenco
Irene Rache – Ana
Dan Stulbach – D
Pedro Carvalho – Paulo
Cenário Antonio Junior
Figurino Fause Haten
Iluminação Wagner Freire
Trilha Sonora Jonatan Harold
Assessoria de Imprensa Daniela Bustos e Beth Gallo – Morente Forte Comunicações
Programação Visual Vicka Suarez
Fotos João Caldas
Assistente de Direção Andréa Bassitt
Assistente de Iluminação Alessandra Marques
Assistente de Figurino Gabriela Marumoto
Assistente de Fotografia Andréia Machado
Assessoria Contábil Marina Morente
Assistente de Produção Celso Dornellas e Thaís Peres
Administração Magali Morente
Produção Executiva Kátia Placiano
Coordenação de Projetos Egberto Simões
Produtoras Selma Morente e Célia Forte
Realização Morente Forte Produções Teatrais
Meu Deus! T
Teatro FAAP (500 lugares), Rua Alagoas, 903, tels.3662.7233 e 3662.7234.
Horários: sexta às 21h30, sábado às 19h e 21h30 e domingo às 18h. Ingressos: sexta R$ 60, sábado R$ 80 e domingo R$ 70. Bilheteria: de quarta a sábado, das 14h às 20h e domingo das 14h às 17h.Aceitam-se cartões, cheques não.Estacionamento gratuito, com vagas limitadas. Acesso para deficiente. Ar-condicionado.Duração: 80 minutos. Classificação:12 anos. Temporada: até 27 de julho.