Michel Fernandes*, do Aplauso Brasil (Michel@aplausobrasil.com)

SÃO PAULO – Do pouco que consegui ver e ouvir – aos cadeirantes é impossível estar num ponto do palco-avenida do Teatro Oficina em que não se fica apartado do eixo central da cena e a impressão de estar à margem influencia na leitura final do espetáculo, o “tea(r)o” não nos ata –, de Walmor y Cacilda 64 – Robogolpe, texto e direção de José Celso Martinez Corrêa, é um intermezzo na saga de espetáculos sobre a atriz Cacilda Becker, cujo foco é a interessante retrospectiva que faz sobre os fatos que culminaram no Golpe Militar, em 1964.

Da carta-testamento que, o então presidente, Getúlio Vargas escreveu instantes antes de se suicidar (interpretada com sutilezas, sobretudo na dicção com o sotaque gaúcho, pelo carioca Marcelo Drummond), à eclosão do Golpe de Estado promovido em 1964 pelas Forças Armadas brasileiras, o Golpe Militar, Walmor y Cacilda 64 – Robogolpe é um documento vivo, pleno da inventividade e diversidade de signos, sempre em ebulição, nos espetáculos do Oficina Uzyna Uzona.
Revisitar antecedentes do que viria a culminar em mais de 20 anos de cerceamento de nosso bem maior, a Liberdade, é, sem sombra de dúvidas, necessário para que sejamos vigilantes (utilizando o nome que a Cia. Os Satyros batizou seu evento, realizado de 30 de março a 1º de abril deste ano, a Vigília Pela Liberdade, e que Zé Celso participou sendo, conforme disse, sendo influenciado pelo evento) nos mínimos fatos que cercam nosso dia-a-dia para que eventos, aparentemente isolados, não se tornem justificativas de golpes com o slogam de “salvadores da moral, da ordem e do progresso”.
Estão em cena o discurso de Jango na Central em que, ao propor a Reforma Agrária e a Reforma Urbana, desagrada sensivelmente da classe média aos latifundiários, que vislumbram nele essência do populismo getulista do qual são avessos, além de incomodar também os setores mais conservadores da Igreja Católica que levou a Liga das Senhoras Católicas a promoverem a Marcha da Família Com Deus Pela Liberdade temendo a desordem moral e o alastramento do “perigo comunista”, o que dá autoridade aos militares para avançarem seu golpe. A Revolta dos Marinheiros é a gota d’água para que os Militares fizessem seu Golpe de Estado no dia 1º de abril de 1964.
Os primeiros a listar entre os “subversivos”, perigosos à ordem estabelecida pelo novo regime são os comunistas, jornalistas, intelectuais e artistas. E é aí que entra em cena Cacilda que vai até o DOPS, juntamente com Maria Della Costa, para soltar sua irmã, Cleyde Yáconis, que atuava em Vereda da Salvação, em montagem dirigida por Antunes Filho, que, em 1964 trabalhava no Teatro Brasileiro de Comédia (TBC). Até sua morte , em 1969, Cacilda Becker foi das principais figuras da classe artística a defender os direitos da classe em exercer seu ofício.
Não pense você que ao retratar esse período nefasto, Walmor y Cacilda 64 – Robogolpe seja tão plúmbeo quanto os anos da Ditadura Militar, trata-se antes de tudo de um musical com canções vibrantes, cujos refrãos são cantados pela plateia, com humor inteligente , sarcástico e repleto de diálogos com a história recente, caso dos uniformes de “Robocop” que serão uniforme policial na Copa deste ano, o que é comum em espetáculos de Zé Celso.

Pra não dizer que não falei das flores
Presente durante praticamente todo o espetáculo sobre uma cadeira de rodas, Zé Celso assume a figura de um Tadeuz Kantor imobilizado pela Ditadura – embora, como cadeirante, acredite que o fato de não andar seja impedimento algum para quaisquer tipos de ação, pois o desejo é quem nos comanda, vejo no Zé, irrequieto como é, preso a uma cadeira de rodas, um símbolo mais acessível para demonstrar como se sentiu sob a sentinela da censura. Tanto que ao discursar levanta-se e toma o centro da cena.
Walmor y Cacilda 64 – Robogolpe
Dramaturgia e Direção: José Celso Martinez Corrêa
Conselheira poeta: Catherine Hirsch
Direção Musical: Adriano Salhab, Montorfano e Giuliano Ferrari
Estreia no dia 25 de abril, às 21h30
Temporada: De 26.04 a 01.06, sempre aos sábados (21h) e domingos (19h)
Local: Teat®o Oficina – Rua Jaceguai, 520. Tel: 11. 3106-2818.
Ingressos: R$40,00 (inteira), R$20,00 (meia) e R$5,00 (moradores do Bixiga, mediante comprovação).
Meia entrada válida para professores, cartão Petrobras, estudantes e artistas, durante toda a temporada.
Capacidade: 300 lugares
Duração: 120min
Transmissão ao vivo via TV UZYNA