Maurício Mellone, para o www.favodomellone.com.br – parceiro do Aplauso Brasil

SÃO PAULO – Um olhar sensível e analítico para a vida e obra do escritor irlandês Oscar Wilde, sem pretender fazer uma biografia. Este o mote central do espetáculo Beije Minha Lápide, que acaba de estrear no SESC Consolação, Teatro Anchieta, em curta temporada. Um projeto que une a maturidade e experiência do grande ator Marco Nanini com a garra da jovem e talentosa Cia. Teatro Independente, que vem de premiados e prestigiados trabalhos (Cachorro, Rebu, Cucaracha).

Com direção de Bel Garcia e texto inédito de Jô Bilac, Nanini — que divide o palco com Carolina Pismel, Júlia Marini e Paulo Verlings — interpreta Bala, um personagem que é fã ardoroso de Wilde e ao mesmo tempo tem uma vida análoga ao escritor.

Ao tentar beijar a lápide de seu ídolo, Bala quebra a barreira de vidro que isola o túmulo de Oscar Wilde no famoso cemitério de Paris, Père Lachaise, e é confinado numa cela de vidro. Assim como Wilde, Bala também escreve enquanto está preso e seus textos são uma referência direta à obra e aos personagens do irlandês.
O espetáculo tem início com a cela de vidro em destaque — praticamente único elemento do cenário, assinado por Daniela Thomas — e a filha de Bala, interpretada por Júlia Marini, que trabalha como guia no cemitério Père Lachaise, dá instruções a um grupo de como se localizar entre os inúmeros túmulos das personalidades ali enterradas.
Corte e, quando voltam as luzes, Bala já está confinado e discorre sobre sua situação e a injustiça por que passa.
Do lado de fora da cela de vidro só o guarda (Paulo Verlings), que trava com o preso uma inusitada relação, em que há um misto de admiração, repulsa, atração, distância e carinho entre os dois. A quarta personagem, vivida por Carolina Pismel, é a advogada que precisa usar de todos os argumentos para convencer Bala a deixá-la trabalhar em sua defesa.
Com o discorrer da trama o espectador percebe que a advogada foi contratada pela filha de Bala e que elas mantêm uma forte e íntima amizade.
“O vidro ironiza de forma bem cruel a sensação de confinamento pela qual Wilde passou injustamente, ao ser condenado por sodomia. O texto tem muitas analogias com a vida e a obra de Oscar Wilde, com algumas citações explícitas e outras que se refletem nas falas e nas histórias das personagens criadas por Jô Bilac”, explica Marco Nanini.
Beije Minha Lápide, que já cumpriu temporada de sucesso no Rio, com indicações a vários prêmios, também deve repetir o êxito em São Paulo. Além de fazer uma homenagem a Wilde, que morreu aos 46 anos em 1900, a montagem ressalta como os anseios e ideais do escritor ainda são tão atuais, vide as incontáveis manifestações de intolerância, homofobia e injustiça que pululam pelo mundo, todos os dias!
O que me chamou muito a atenção é como o texto — criado por Bilac depois de um processo de discussão entre elenco e direção — não é uma obra fechada com destinos predeterminados; as indagações são levantadas, as histórias delineadas, mas o publico é provocado a refletir e construir a história.
Com a iluminação (Beto Bruel), a projeção de vídeo (Julio Parente e Raquel André) e a trilha sonora (Rafael Rocha) muito bem articuladas, a direção de Bel Garcia cria um clima impactante que deixa o espectador plugado a tudo o que ocorre no palco.
A sintonia em cena entre Julia e Carolina (já consagrada em Cucarracha) e bela atuação de Verlings, que imprime verdade à dúbia personalidade daquele guarda, engrandecem ainda mais a montagem. E a interpretação de Nanini mais uma vez revela que estamos diante de um dos maiores atores de sua geração.
Fiquei impressionado com a cena em que a projeção do vídeo se justapõe à fala do personagem: vemos a versatilidade e as inúmeras nuances de interpretação do ator.
A temporada paulistana de Beije Minha Lápide é curta, só até 1º de março; portanto corra e não deixe de assistir.
Roteiro:
Beije a Minha Lápide. Texto: Jô Bilac. Direção: Bel Garcia. Elenco: Marco Nanini, Carolina Pismel, Júlia Marini e Paulo Verlings. Figurino: Antônio Guedes. Iluminação: Beto Bruel. Cenografia: Daniela Thomas. Concepção e direção de vídeo: Julio Parente e Raquel André. Trilha Sonora: Rafael Rocha. Fotografia: Cabéra. Visagismo: Ricardo Moreno e Graça Torres. Produção: Fernando Libonati. Idealização: Marco Nanini e Felipe Hirsch.
Serviço:
SESC Consolação, Teatro Anchieta (328 lugares), R. Dr. Vila Nova, 245, tel. (11) 3234-3000. Horários: sexta e sábado às 21h e domingo às 18h. Ingressos: R$ 50, R$ 25,00. R$ 15,00. Bilheteria: de segunda a sexta das 12h às 22h; sábado das 10h às 21h e no domingo, das 16h30 às 18h. Duração: 80 minutos. Classificação: 14 anos. Temporada: até 01º de março.