Michel Fernandes, do Aplauso Brasil (michel@aplausobrasil.com)

SÃO PAULO – Nos idos dos anos de 1980, a montagem de Nossa Senhora das Flores, teatralização do romance homônimo do autor francês Jean Genet, deixou marcas indeléveis no ideário do diretor Sérgio Ferrara. Apaixonado desde então pelo universo do autor de Querelle, As Criadas, O Balcão, entre outras obras, Ferrara concretiza sua paixão visceral em Genet: O Poeta Ladrão, com dramaturgia de Zen Salles, cuja estreia será às 20h desta quinta-feira (17) na sala Beta do SESC Consolação.

O ano é 1969. O país é o Brasil. Estamos submersos numa asfixiante Ditadura Militar. Mesmo assim, a atriz e produtora Ruth Escobar põe seu teatro abaixo para que o encenador argentino Victor Garcia construiu sua plateia em galerias circulares e móveis que abrigam andaimes, gruas e uma imensa espiral vertical em que se representa a antológica montagem de O Balcão. Jean Genet vem ao país para a estreia de sua peça que, curiosamente, é ambientada meio a uma revolução. Genet é informado da repressão e da censura sofrida pelos artistas e dasprisões a que muitos acabam por desaparecer. Esse é o estopim de Genet: O Poeta Ladrão, em que o autor de poesia corrosiva, recorda o período em que esteve preso e evoca suas personagens-chave: homossexuais, ladrões e um sem número de párias.
Em entrevista exclusiva ao Aplauso Brasil, o diretor Sérgio Ferrara fala sobre a paixão sobre projeto, sobre minúcias do processo, sobre sua relação com os demais artistas envolvidos no projeto e sobre o seu trabalho como curador do Projeto Ademar Guerra,
Aplauso Brasil – No final do ano passado, você me disse pensar em encenar Nossa Senhora das Flores, entrar no universo do Jean Genet. Como foram as conversas entre você e o Zen Salles (dramaturgo) e como isso virou roteiro até se tornar no resultado que estreará?

Sérgio Ferrara – Eu tenho vontade de montar Jean Genet desde que assisti a montagem de Nossa Senhora das Flores nos anos 1980, sob direção do Mauricio Abud, aquele momento da minha vida foi revelador. Quando Genet afirma que não há outra origem para a beleza senão o ferimento, singular, diferente para cada pessoa, escondido ou visível, que cada homem guarda dentro de si, que ele preserva e para onde se recolhe quando quer deixar o mundo em troca de uma solidão passageira mas profunda me fez buscar nesse homem uma possibilidade de olhar o meu mundo nesse momento. Procurei o Zen Salles e como já havíamos trabalhado juntos na Pororoca, peça que dirigi no SESI da Paulista, texto que nasceu no Núcleo de Dramaturgia do Sesi em parceria com o British Council e coordenado pela Marici Salomão, sabia que estava nas mãos ce rta o nascimento de uma dramaturgia que revelaria sensivelmente as minhas necessidades e inquietações. Da nossa primeira conversa até a finalização do texto demorou um ano para a obra se concretizar enquanto dramaturgia e depois da leitura tive certeza que estava vivendo um raro momento da minha vida de diretor.

AB – Por que você escolheu esse universo? Quais os principais temas deseja abordar?
SF – O Genet usa a escrita como forma de lucidez e a partir da criação optou por viver. Como escritor tinha um poder filosófico de recriar o mundo, rejeitando ideias pré-concebidas e revertendo hierarquias tradicionais de valor e significados. Como homem sempre viveu a dor de ser rejeitado, primeiro pela sua mãe e depois pelos homens que amou, assim sua relação com a vida era a de um bandido que rouba aquilo que não tem, mas não possui aquilo que deseja e em longos períodos de depressão na sua vida ele afundava num ódio árido contra si próprio e mais de uma vez tentou o suicídio. Tento abordar essa agonia humana que acompanha esse ladrão, poeta, homossexual e escritor.
AB – Qual a linha cênica você adota nesse espetáculo?
SF – Trabalhei com os atores a possibilidade de revelarmos em cena, através do texto e de imagens, a união entre o sagrado e o profano, elementos muito recorrentes na literatura do Genet. Com uma linguagem fragmentada constituída de cenas curtas e objetivas trabalhamos estados alterados de consciência da personagem central (Genet) que, em delírio e devaneio, vê e imagina o mundo de acordo com sua loucura na solitária de um presidio.
AB – Como foi seu trabalho com os atores?
SF – São excelentes atores que toparam e ficaram disponíveis para interpretar essa obra, cujo imaginário é muito difícil já que lidamos com o submundo, que acaba revelando sombras agonizantes. Genet nos revela travestis, garotos de programa, cafetões, homossexuais, prostitutas, seres da noite mais profunda que na sua lida com a sobrevivência nos revelam um violência atroz e uma humanidade abissal. Serei eternamente grato a essa equipe de atores dedicados e irmanados nessa longa jornada noite à dentro.

AB – Quais projetos você desenvolve paralelo à direção e como eles influenciam seu desenvolvimento?
SF – Sou Curador artístico do Projeto Ademar Guerra que atualmente cuida de mais de 84 grupos de Teatro no interior do Estado de São Paulo, um trabalho que exige de mim uma dedicação profunda e uma atenção mais do que carinhosa com todos esses jovens que buscam no projeto ampliar e promover a autonomia de seus processos criativos compartilhando e aprendendo novos procedimentos do fazer Teatral. Juntamente com o Aldo Valentim o coordenador Geral do Projeto temos fomentado a formação e a instrumentalização desses grupos na busca de uma qualificação consciente e duradoura.
Sou professor e diretor de montagem da Escola de Atores Wolf Maya há sete anos, é um trabalho que muito me estimula porque tenho a possibilidade de me relacionar com esses jovens que estão chegando, sem essa troca de experiências acho que morreria. Pra mim a vida é movimento e é assim que tudo deve caminhar, sempre para frente!!!!
FICHA TÉCNICA
Autor: Jean Genet
Texto: Zen Salles
Direção: Sergio Ferrara
ELENCO
Ricardo Gelli – Genet
Fransérgio Araújo – Stilitano / Madame Irma
Nicolas Trevijano – Divina
Rogério Britto – Mimosa / Simone
Felipe Palhares – Mignon
Ralph Maizza – Pilorge / policial / preso
Gabriele Lopez – Guy / Madame Claire / Beata / Mendiga
Jhe Oliveira – Sartre / carcereiro / Carolina
Magno Argolo – Padre / Policial / Preso / Carolina
Bruno Bianchi – Anjo / Salvador / Carolina
EQUIPE TÉCNICA
Figurino: Iraci de Almeida
Cenário: Sergio Ferrara
Iluminação: Rodrigo Alves
Sonoplasta: Sergio Ferrara
Fotos: Vivian Fernandez
Direção de Produção: Elder Fraga
Realização: Fraga e Ferrara Produções
SERVIÇO
Estreia: Dia 17 de outubro de 2013. Quinta, às 20h. Duração: 80 minutos.
Temporada: até dia 6 de dezembro. Quintas e sextas, às 20h.
Exceto dia 15/11.
Recomendação etária: 18 anos
Preços: R$ 10,00 (inteira); R$ 5,00 (usuário matriculado no SESC e dependentes, +60 anos, estudantes e professores da rede pública de ensino). R$ 2,00 (trabalhador no comércio e serviços matriculado no SESC e dependentes).
Local: Espaço Beta – 3º andar. Lotação: 50 lugares
Sesc Consolação
Rua Dr. Vila Nova, 245
Tel: 11 3234-3000