Kyra Piscitelli, do Aplauso Brasil (kyra@aplausobrasil.com)

SÃO PAULO – O teatro e a arte sentiram um grande golpe com o anúncio da morte do ator e diretor Fauzi Arap (de 75 anos), na manhã de ontem (05/12), em São Paulo. Ele que morreu dormindo em sua casa, lutava contra um câncer na bexiga, há alguns anos. Arap fez engenharia civil na Poli -USP, mas antes mesmo de se formar já tinha sua estrela apontada para o teatro. No placo ou na coxia, inovou, lançou nomes como o dramaturgo Plínio Marcos e ganhou prêmios. Nos palcos de música, imprimiu teatralidade inédita, depois de projetar nacionalmente a cantora Maria Bethânia com a direção do show Rosa dos Ventos, de 1971.
“Não se deve erguer monumentos aos artistas porque eles já o fizeram com suas obras”. A Frase do catalão Gaudi, tirada da apresentação da coleção Aplauso, concebida pela Imprensa Oficial para resgatar a “cena brasileira” é a que melhor pode definir o diretor e ator Fauzi Arap.
Arap era discreto e adepto da reclusão. Não gostava de tirar fotos ou gravar vídeos. Certa vez, negou a gravação de um depoimento em vídeo para o editor do Aplauso Brasil Michel Fernandes. Disse que não queria deixar sua imagem gravada para que as pessoas ficassem assistindo e olhando para ele depois de morto.
Mas não foi só a Michel Fernandes que o diretor e ator negou esse tipo pedido. O DVD MARICOTINHA (2001), de Maria Bethânia foi gravado em comemoração aos 35 anos de carreira da cantora. Além da participação de nomes da MPB, o material teve depoimentos de grandes personalidades. Arap, fundamental na carreira de Bethânia, não gravou. O seu registro queria deixar em vida e assim o fez.
A CARREIRA
Fauzi Arap começou cedo no teatro. Na década de 50 já integrava o elenco do Teatro Oficina , que na época estava em fase amadora. Em 1961, participou da primeira montagem profissional do grupo do diretor do José Celso Martinez Corrêa: A Vida Impressa em Dólar, de Clifford Odetts foi um sucesso e rendeu para o ator os prêmios Saci e Governador do Estado de melhor ator coadjuvante.
No Teatro de resistência e contracultura se firmou. Trabalhou com importantes nomes tanto no Teatro Oficina como no Teatro de Arena. Entre eles Augusto Boal e Antônio Abujamra.
Em 1962, destaca-se depois de substituir o ator Raul Cortez no espetáculo Em Pequenos Burgueses, de Máximo Gorki.

Com apenas 29 anos, decide seu caminho e a verdadeira vocação no teatro: a direção. A sua primeira empreitada como diretor foi em 1965 quando adaptou a obra Perto do Coração Selvagem, de Clarice Lispector (1925 – 1977) para o teatro. Em 1967, apresenta, ao lado de Nelson Xavier, o autor Plínio Marcos, com uma montagem de Dois Perdidos Numa Noite Suja.
No ano seguinte a convite de Tônia Carrero, dirigiu outro texto de Plínio Marcos: Navalha na Carne. Encenado em época de Ditadura Militar o espetáculo deu o que falar.
Além de Marcos, o diretor também lançou o autor José Vicente ao montar O Assalto, em 1969.
Em 1975, estreia como dramaturgo em Pano de Boca. Para a história, Arap se inspira de forma livre no Teatro Oficina. O teatro e as experiências pessoais também são usadas no texto Às Margens do Ipiranga, no qual faz um trabalho em cima do Teatro de Arena. A montagem fez parte do Projeto Tese em Ação -Rosa dos Ventos do Teatro Brasileiro – T.A.R.Ô, que começou em 1987 e ocupou o Teatro de Arena Eugênio Kusnet por dois anos.
Na carreira, conquistou prêmios como Molère, Mambembe e APCA (Associação Paulista de Críticos de Artes). No final dos anos 90, mostrou sua versatilidade ao ser agraciado com Prêmios Shell de melhor diretor em gêneros diferentes: o drama poético Santidade, de José Vicente e a comédia Caixa 2, de Juca de Oliveira.
A comédia dramática Chorinho, em cartaz desde 2012, foi o último texto de Arap montado. A história teve uma primeira versão com Claudia Mello e Caio Blat nos papéis principais. A segunda montagem, mesmo acontecendo poucos anos depois, traz de novo Claudia Mello e a mesma direção assinada por Marcos Loureiro e pelo próprio autor. A novidade ficou por conta de Denise Fraga e a mudança de, no palco, atuarem duas mulheres e não um casal.
Curiosidades
Em 1998, Fauzi Arap publicou sua autobiografia: Mare nostrum (Nosso Mar em latim, referência a como os romanos chamavam o Mar Mediterrâneo). Nela, Arap se diz um eterno aprendiz. E narra como, ao longo da vida, buscou o autoconhecimento por meio de vários experimentos e técnicas. Era, por exemplo, adepto da astrologia e de florais.
Entre as experiências mais incomuns, usou LCD para fins terapêuticos, nos anos 60. Parou depois que começou a ser tido como uma espécie de mestre por usuários do alucinógeno.
Trabalhou também ao lado da psiquiatra Nise da Silveira e com ela estudou e aprendeu muito sobre Jung e os sonhos – o que na época era revolucionário no Brasil.