Zeca Corrêa Leite / Assessoria de Imprensa FILO

Murro em Ponta de Faca coloca em cena os traumas e a esperança dos exilados que fugiam do Brasil como castigo por desejarem a ele melhor destino
Malas e caixas – aos brasileiros que deixavam o Brasil a duras penas, muitas vezes camuflados para não caírem nas garras da polícia, a vida praticamente cabia ali dentro. Esses objetos – poucos – carregavam o essencial para os exilados se manterem e estavam sempre à mão, pois quando menos esperavam era preciso correr ao aeroporto, ônibus, trem e só parar em distantes destinos incertos. Daí as malas e caixas espalhadas no palco da Usina Cultural, que exibe hoje at´r amanhã (15) Murro em Ponta de Faca, às 22 horas, dentro da programação do FILO 2011. A organização do Festival colocou à venda mais 40 ingressos para as duas apresentações espetáculo, que estava com a lotação esgotada.
A montagem, com direção de Paulo José (que está em Londrina com o elenco), é o resultado de um projeto desenvolvido pelo Espaço Cênico, de Curitiba. Atores de diversos grupos e companhias uniram-se em torno da obra escrita por Augusto Boal, após serem selecionados por Paulo José, no Rio de Janeiro.
Levada ao palco pela primeira vez em 1978, Murro em Ponta de Faca escancarava os dramas e alegrias de quem estava fora, numa época em que a ditadura militar imperava no país e muita gente vivia sob a condição de exilados. Boal era um deles, razão pela qual não pôde assistir ao espetáculo encenado pelo amigo Paulo José. Nestes novos tempos, quando novamente chega ao palco, Boal continua ausente. A morte chegou primeiro.

Seria este um trabalho datado, onde os personagens estariam devidamente enterrados com suas histórias? Não é nada disso, na visão da atriz e produtora Nena Inoue. É um momento brasileiro que precisa ser mostrado, debatido, discutido, ensinado, já que há uma espécie de esquecimento e entorpecimento sobre duas décadas que foram muito intensas, violentas e de consequências ainda presentes na sociedade nacional.
A juventude, especialmente, não tem noção do Brasil dos anos 1970 no tocante ao regime militar. De forma surpreendente, durante uma leitura cênica em Curitiba, numa série chamada Projeto 70, comandada pelo Espaço Cênico, houve uma comoção na plateia. O filho de Nena Inoue, de 17 anos, chorou convulsivamente, e ali estava um exemplo bem-acabado de que também a mocidade está aberta para o resgate de uma realidade desconhecida. Quanto às gerações mais velhas, tem-se a valorização da memória de uma época.
“O tema é difícil, por isso a gente tem que falar. A juventude abandonava a família pela causa da resistência. Muitos foram exilados, os que ficaram foram torturados, outros morreram…”, comenta Nena. Diferentemente da Argentina, o Brasil optou, com o tempo, em desconhecer sua própria história; é vital trazer à tona esses acontecimentos.
“A peça fala do desencontro e do encontro. Sempre alguém está chegando, trazendo notícias – há esperança, sim, no correr do espetáculo”, diz Abílio Ramos, ator paranaense há 20 anos radicado no Rio de Janeiro. Aliás, não só esperança, mas também muito humor. Os personagens cantam, dançam, já que a vida não se faz unicamente de amargura.
Augusto Boal desenhou com propriedade cada um dos seis exilados que formam o grupo: três casais. Cada pessoa carrega características próprias, e responde à sua maneira a experiência asfixiante da convivência numa situação excepcional. Ali está um casal de operários, de burgueses e de intelectuais. Também três gerações são representadas.
O espetáculo inicia com essas pessoas no Chile. A trajetória tem prosseguimento na Argentina e termina na França. Pela caminhada, é notória a sombra ditatorial que cobriu o sul da América Latina.
Murro em Ponta de Faca esteve em temporada no Rio de Janeiro logo após a estreia em Curitiba, e está em negociações para ser levada no SESC Belenzinho, em São Paulo, nos meses de agosto e setembro.
Ficha Técnica:
Texto: Augusto Boal
Elenco: Gabriel Gorosito, Laura Haddad, Sidy Correa, Erica Migon, Abilio Ramos, Espedito di Montebranco e Nena Inoue
Iluminação: Beto Bruel
Figurino: Rô Nascimento
Cenário: Ruy Almeida
Direção Sonora: Daniel Belquer
Preparação Vocal: Babaya e Célio Rentroya
Assistente de direção e participação musical: Roberto Souza
Assistente de iluminação: Espedito di Montebranco
Assistente de figurino: Sabrina Magalhães
Ilustração: Elifas Andreato
Designer gráfico: Martin de Castro
Fotografia: Roberto Reitenbach e Leo Viana
Produção executiva e administração: Larissa Crocetti
Idealização e diretora de produção: Nena Inoue
Realização: Espaço Cênico