Afonso Gentil, especial para o Aplauso Brasil (aplausobrasil@aplausobrasil.com)

SÃO PAULO – Já que a humanidade está num beco sem saída por haver trocado o suor do aprendizado da vida pelas armadilhas das conexões virtuais. Já que o mundo perdeu as estribeiras no trato permanente da tolerância entre as pessoas e as nações. Já que o mundo deixou de ser habitável, pela violência sistemática em todos os cantos do planeta, nada resta, para um desocupado Mefisto – paradoxalmente –, senão verter uma lágrima, antes de deixar a cena ao final desse desconcertante, fascinante e nada retórico texto de Samir Yazbek, Fogo Fátuo, cartaz do SESC Santana até 27 de maio.
No final do breve diálogo de Samir, Mefisto pede ao seu interlocutor, o Escritor que “Escreva!” sobre o seu (dele) desconforto perante a Eternidade, o qual pode ser encontrado na impossibilidade de usufruir o efêmero, como tomar um café, por exemplo, diz ele. Como consta que a peça está ainda na fase de “work in progress”(esperando retoques como se diria em bom português), sugerimos aqui que se acrescente a rubrica: MEFISTO AFASTA UMA LÁGRIMA QUE TEIMA EM ROLAR PELA SUA FACE ARDENTE. E sai diante de um Escritor atônito.
Claro que isso pode soar como mais um palpite infeliz, daquele tipo de final de debate, já que este mais recente trabalho de Samir e seu parceiro de escrita, o ator Hélio Cícero, pode não ser o melhor trabalho desse irrepreensível analista dos meandros psicológicos, mas, parafraseando o que se fala de Woody Allen, “não é o melhor Samir, mas, por isso mesmo, melhor que muita coisa em cartaz por aí”.
ESTÁ NO DICIONÁRIO
Fogo-fátuo tanto significa inflamação espontânea de gases emanados das sepulturas e de pântanos, como também – figuradamente –“brilho efêmero, prazer ou glória de pouca duração”.

Quanto a Fausto, trata-se de figura lendária abordada desde os princípios do Renascimento por gênios da literatura ocidental, culminando com o Fausto, de Goethe. Em sua origem era tido como um necromante, ou seja, adepto da arte de evocar os mortos para deles obter o conhecimento do futuro. Fausto, aqui no texto de Samir é um desnorteado Escritor.
CONCISÃO E ELEGÂNCIA
O texto de Samir é preciso, conciso na sua curta duração (5O minutos). Dentre as várias leituras que se depreende da visão da peça é que o “brilho efêmero” pode ser o desejo do Escritor (Humanidade) em reconquistar sua queda por impulsos primitivos, como ainda uma estratégica fuga de Mefisto da falta do que fazer, por culpa das barbaridades do homem.
Fala-se menos do que o merecido da presença de Antônio Januzelli, professor de atores da USP, que tem em seu currículo aquela extraordinária montagem de O Porco, vista há alguns anos atrás no porão do Viga Espaço Cênico.
Januzelli é senhor de extrema elegância, no seu domínio do tempo cênico. Aqui, acrescenta uma sutil ironia, como por exemplo na cenografia minimalista, que remete, não a um Inferno terrestre, mas a uma aparência celestial!
DOBRADINHA PODEROSA
Contrariamente à A Noite do Barqueiro (curtíssimo ato com direção de Samir), Hélio Cícero mostra seu poder de sedução, manipulando as reações do público na difícil arte de fazer o público rir divertidamente ouvindo coisas sérias. Como nas ameaças sibilosas que faz ao Escritor na pele de Mefisto.
A grande expectativa era Samir Yazbek ator. O permanente olhar de espanto e/ou de dolorida decepção, torna-nos cúmplices imediatos de sua sofridas indagações, fazendo-nos esquecer que é ainda um ator em formação.
O trio Antonio Januzelli, Hélio Cícero e Samir Yazbek nos brinda com 50 minutos do mais puro deleite intelectual.
FOGO FÁTUO/ SESC Santana / Av. Luiz Dumont Villares, 579 / fone 2971-8700 / 337 lugares / 6ª. e sábado às 21 h, domingo, às l8h. R$ 20,00 (inteira) / 14 anos / 5º minutos / até 27 de maio.