Michel Fernandes, do Aplauso Brasil (michel@aplausobrasil.com)

O que realmente me encanta numa peça teatral é quando a proposta parece estar de acordo com as ambições dos artistas envolvidos na representação. Tudo é uma questão de comunicação. Dois pólos: um que emite, outro que recebe. Esse é o caminho seguido em “O Estrangeiro”, romance de Alberto Camus, cartaz do Teatro Eva Herz (só até domingo!), em que o ator Guilherme Leme esbanja segurança e talento alicerçado pela sólida direção da atriz Vera Holtz.
Tudo é simples e direto: Meursault, personagem interpretado por Leme, narra sua trajetória enquanto veste um sóbrio terno preto sobre camisa e regata branca, uma cueca samba-canção branca e meias, também, brancas. O claro e o escuro permeiam toda a trajetória da personagem.
A simplicidade do cenário – uma cadeira de madeira giratória, o teto e um linóleo brancos, que delimitam o claustrofóbico espaço cênico onde Meursault está confinado -, a iluminação formada por luzes sem outra cor senão o branco, além da sombra que sua diminuição provoca, contribui para a edificação da simplicidade e para que o público seja enlaçado pela narrativa, sem, no entanto, provocar uma catarse de comiseração por Meursault.
Aquele que não consegue derramar uma lágrima no enterro da mãe – “embora, provavelmente, eu a amasse” –, depois mata um árabe, em sua Argélia natal e, acaba sendo alvo do sensacionalismo exaltado de quem não admite seu comportamento fora dos padrões estabelecidos – não chorar a morte da mãe –, o leva à condenação estúpida de ser executado em praça pública.
Há em Guilherme Leme dois atributos que fazem a diferença em sua interpretação: sua expressão vocal minimalista em que ele dá valor na medida à cada palavra, além da esmerada dicção que faz inteligível esse texto tão interessante, adaptado pelo dinamarquês Morten Kirkskov com justa medida, e, o segundo atributo, a contenção e controle atingido pelo ator, provavelmente conduzido pela diretora que é magnífica atriz, afastando atos de autocomiseração.
O desfecho do monólogo provoca um sentimento de horror, porque ainda tomamos como “estrangeira” a diferença do que é considerado padrão aceito,

leva também à reflexão do barbarismo que são as execuções públicas, decisões estas sempre tomadas por base em depoimentos e deduções arbitrárias.
“O Estrangeiro”
Teatro Eva Herz (166 lug.). Av. Paulista, 2.073, 3170-4059, metrô Consolação. 6ª e sáb., 21h; dom., 19h. R$ 40/R$ 50. Até 21/11.