Michel Fernandes é colaborador especial do Projeto Ademar Guerra (michel@aplausobrasil.com)

GARÇA (SP) – Muito antes dos temas sociais chegarem às telas do cinema e da televisão, dramaturgos como Plínio Marcos e Zeno Wilde se debruçavam em retratar personagens que habitavam o submundo, seres marginalizados que, na maior parte das vezes, só encontram sentido no crime. A densidade direta e cortante da obra de Zeno (Blue Jeans, Uma Lição Longe Demais, Salve o Prazer!, O Meu Guri, entre outros textos), um dos principais nomes da dramaturgia brasileira dos anos de 1980, é revigorada em Um Pequeno Animal Selvagem, com a cia rio-pretense Os Cogitagores, sob direção de Ricardo Matioli.
Já conhecia o brilhante trabalho de Ricardo Matioli como iluminador, mas em Um Pequeno Animal Selvagem ele consegue se superar: ao imprimir um tom carregado à cena, dá a claustrofobia necessária ao ambiente em que vivem seres sem perspectivas, acuados pela norma estabelecida, tão entregues à rotina da urgência que nem sobra espaço para avaliar as consequências das repercussões de seus atos.

Matioli conduziu com mão certeira a ambientação, mas priorizou o elemento mais poderoso de textos deste calibre: abriu espaço para que os intérpre tes se lançassem nm mergulho profundo e despudorado ao epicentro desses seres marginalizados – no sentido de quem está à margem do status quo social –, seres que deixam falar mais alto seu instinto, seu animal selvagem, que dita regras relativas tanto à satisfação sexual quanto ao instinto de sobrevivência que renega a opressão, mesmo que ela venha de um lugar tão sujo de lama quanto o que ele está.
Para o sucesso da proposta, o diretor precisava de interpretações viscerais, os atores Alison Bernardes, Giovani Milani, Matheus Leonel e Lawrence Garcia são os ingredien tes que fazem pulsar, com talento, na pele de seus personagens.
O feixe desse maiúsculo Um Pequeno Animal Selvagem está nas diversas habilidades artísticas de Ricardo Matioli que, além da direção e iluminação, assina a belíssima trilha – a nostalgia e desalento do acordeão de Yann Tiersen é belo achado -, figurinos e cenário, esses dois últimos em conjunto com o grupo.
Em suma, Um Pequeno Animal Selvagem é um espetáculo que está pronto para as exigências da capital.