Afonso Gentil, especial para o Aplauso Brasil (aplausobrasil@aplausobrasil.com)

SÃO PAULO – A explosão recente de montagens de musicais nos palcos do Rio de Janeiro e de São Paulo tem merecido destaque da imprensa, quer em copiosas resenhas como estampando anúncios de lançamento até em páginas duplas dos jornais. Cumpre ela, a imprensa, seu papel de formadora de opinião e de aliciamento de plateias.
Tudo estaria no melhor dos mundos não fosse a atitude preconceituosa e caipira de setores da crítica especializada, ridiculamente oposta ao prazer de multidões de mentalidade cosmopolita, que instintivamente unem a arte e o entretenimento sem culpa.

AGORA NA BELA VISTA UMA SINGULAR SURPRESA
O progresso técnico artístico da mão de obra dos musicais salta à vista. De onde vem esse batalhão de bailarinos, sapateadores, coreógrafos, cantores, instrumentistas, diretores musicais, maestros, engenheiros de som, além dos costumeiros cenógrafos, figurinistas e iluminadores? Ou outras funções especialíssimas? Juntas, chegam a ocupar páginas duplas dos “créditos” no programa.
A resposta a gente encontra no empenho de cada um em se aprimorar, com professores de música ou cursos de dança e canto, daqui ou alhures, oferecendo aos produtores, em consequência, currículos de atordoante sedução. Aqui, sem a intromissão das teorias pós-dramáticas de representação dos cursos e de alguns palcos experimentais, continuamos no melhor dos mundos.
E é neste universo de irrefreável criatividade, de visível competência, que se insere naturalmente o musical em cartaz no Teatro Sérgio Cardoso, na Bela Vista, New York New York, que denuncia desde a sua idéia primeira uma surpreendente singularidade, a de ser um espetáculo musical totalmente gestado nestas plagas, com produção em reais (com farto patrocínio, julgamos nós) e mão de obra só de brasileiros. Apenas a fonte é a de um livro do norte-americano Earl Mac Rauch, que teve, por sua vez, uma adaptação no cinema, com Lisa Minnelli e Robert De Niro, que virou Cult e foi preterida pelos produtores Fábio Gomes de Oliveira e Julianne Daud, mentores do projeto, por desejarem, ambos, retratar uma Nova York buliçosa , alegre, o que a equipe fez resultar eletrizante com seus números musicais dançantes , muitos de se prender o fôlego, diante dos olhos magnetizados da platéia, principalmente dos mais adultos e dos jovens ainda não robotizados pela baixa qualidade do som atual.

TALENTO COMPACTADO
Essa confluência de comprovados talentos é um feito que coloca, doravante, os produtores Fábio e Julianne no pódio dos “bambas” do setor, que acertaram de pronto colocando a encenação sob a reconhecida estética jazzística de José Possi Neto, aqui num hibrido de “tropical fervente” fornecido pelo ritmo solto daquela Nova York pós-guerra, de 1945.
Confiaram acertadamente no convite ao coreografo Anselmo Zolla que retribuiu em “estado de graça” com coreografias soltas, leves, de total interação com a plateia. O mesmo acontecendo com nosso cenógrafo maior, J. C. Serroni, basicamente com andaimes que lembram os bairros boêmios da metrópole e que deslizam suavemente ao respirar do romance da dupla central de protagonistas. E a quem cabe o mérito da fusão das imagens do trem partindo com o sapateado uníssono dos bailarinos? O público aplaude o efeito de imediato!

A direção musical do maestro produtor Fábio Gomes de Oliveira encontra eco em acertos na supervisão musical e direção vocal de outro maestro, Marconi Araujo, apoiados na calorosa execução dos 15 músicos sob a regência de Márcio Telles, de apelo rítmico que contagia a atuação vibrante de um conjunto de dançarinos e cantores pinçado – imaginamos –entre centenas de candidatos, boa parte de currículo globalizado.
O desfile de qualidades continua com os figurinos de Miko Hashimoto, uma revelação para nós, mas de currículo também extenso; na luz de mágica plasticidade de uma Nova York mítica, de autoria de Wagner Freire, outro bamba da luz de palco; na montagem de som de Fernando Torres, que beira a perfeição num teatro de armadilhas acústicas.
A história em si, de teor romântico, envolvida pelos números musicais aqui bem selecionados entre dezenas e dezenas de sugestões do livro, orgulha-se do uso dos clichês do gênero, dentro da atmosfera idealística do espetáculo. Pede basicamente um casal de atores-cantores, belamente representado por um Juan Alba de canto potente e esbanjando simpatia com sua descontraída irresponsabilidade na pele de Johnny Boyle e da irrepreensível Kiara Sasso, brilhando com igual intensidade no seu canto elegante e na delicadeza bem dosada de uma descolada Francine Evans.
Juan e Kiara desempenham figuras típicas de uma história musicada, puxando para perto criações episódicas hilariantes, entre elas a de Christiane Mataldo ( sapateando e tocando sax tenor conjuntamente); Conrado Helt com timbre vocal pessoalíssimo; Mauricio Xavier em varias aparições bem humoradas. E, tão esplendorosa como a sua inspiradora – Carmem Miranda -, uma afinada e de gestos exuberantes Julianne Daud em número musical que culmina com enorme abacaxi que sobe de sua cabeça até o teto do palco!
ENFIM
Essa tão bem sucedida encenação do rico cancioneiro popular norte americano, concebida e gestada por talentos brasileiros – para não dizer, paulistas – desperta uma pergunta talvez marota, que não quer calar: por que não a ordem inversa do costumeiro, fazendo da Bela Vista de New York New York celeiro da Broadway?
Serviço:
NEW YORK NEW YORK / Teatro Sergio Cardoso, rua Rui Barbosa, 153, Bela Vista / telefone 3288-0136 / 856 lugares / 5ª. 2lh; 6ª 21h30 ; sábado 17h e 21h; domingo 16h / Preço Popular R$ 40,00 / Duração 125 minutos, com 1 intervalo /12 anos / até O7-10.