Por Francisco Taunay para Opinião e Notícia.
À partir dessa crítica, selamos nossa nova parceria com o site carioca Opinião e Notícia.
Há cerca de três anos estreou na Broadway a adaptação musical da peça de Frank Wedekind, de 1891, “O Despertar da Primavera”. Sucesso nos EUA até hoje, esse musical foi praticamente copiado em termos das músicas e cenários nessa versão para os palcos brasileiros. Seria lugar comum criticar o espetáculo com uma lente de aumento que revelasse simplesmente seu aspecto americano, de musical do Off-broadway e depois da Broadway.
Vou fazer diferente, impactado pela emocionante versão dirigida pela reconhecidamente talentosa dupla Moeller e Botelho, escrevo sobre um espetáculo fascinante, que emociona o público com sua temática atual e perfeição formal. A primeira peça e também a de maior sucesso do dramaturgo Wedekind, que influenciou Bertold Brecht, retrata a vida dos adolescentes Melchior, Moritz e Wendla, na Alemanha do século XIX. No seu processo de descoberta do amor e do sexo, os jovens batem de frente com uma sociedade conservadora, que não permite sequer o diálogo sobre as questões sexuais.
A paixão de Wendla e Melchior é condenada pela escola e pelas respectivas famílias, que culpam o rapaz pela morte de seu amigo Moritz. Melchior, um brilhante aluno, de rara inteligência e beleza, é expulso da escola e condenado ao reformatório por ter escrito um tratado de dez páginas, que, com seu conteúdo erótico, teria influenciado o destino trágico de seu melhor amigo. O texto possui uma atualidade perturbante, por mostrar a perspectiva dos adolescentes frente a uma sociedade que busca, de forma hipócrita, formatá-los e moldá-los à sua imagem: o que é diferente, singular, deve ser transformado para fazer parte de um projeto social que prima pela repressão, militarismo e aposta na violência e na ignorância para educar os jovens da Alemanha do oitocentos.
Com uma temática que foca a descoberta do corpo e das sensações, bem como do lado obscuro que faz parte da nossa mente, o texto possui elementos impressionistas e expressionistas, evocando uma atmosfera perturbadora, criada por imagens sombrias e mesmo ingênuas. O musical de Steven Sater, na sua versão brasileira, possui um inegável cuidado estético. Os figurinos de Marcelo Pies são muito bem elaborados, com destaque para os vestuários masculinos. O cenário, de Rogério Falcão (aqui não sabemos o que é original e o que foi reproduzido do original), evoca tanto a Bauhaus como o expressionismo de um Gabinete do Doutor Caligari. A coreografia de Alonso Barros se adequa perfeitamenta à música de Duncan Sheik, supervisionada por Claudio Botelho: Um Rock tocado pela banda, ao vivo no palco. A iluminação, bem como a qualidade do som captado pelos microfones quase invisíveis, também são de primeira, acompanhando a desenvoltura do elenco, muito jovem e uniformemente bem trabalhado. Os destaques individuais são Rodrigo Pandolfo, como Moritz, Pierre Baitelli, no papel de Melchior, e a sublime Letícia Colin, interpretando Ilse. Carlos Gregório faz uma série de personagens adultos, com sutileza e qualidade. O primeiro ato da peça é mais desenvolto que o segundo, um pouco arrastado, principalmente pelo canto um pouco americanizado de alguns solos. A cena do cemitério possui rara beleza, e fica marcada como um acontecimento especial, seja pela teatralidade ou pela beleza dos seus efeitos especiais.
Vale a pena assistir este espetáculo muito bem elaborado, um presente para qualquer espectador, por mais exigente que seja.