Maurício Mellone, para o www.favodomellone.com.br – parceiro do Aplauso Brasil

A Cia. Físico de Teatro discute os limites da relação entre o ídolo e o fã: até que ponto valores éticos não se comprometem com esta aproximação. Com Camila Gama, Igor Angelkorte e Renato Livera
SÃO PAULO – Depois do sucesso de Savana Glacial, espetáculo criado em parceria com o dramaturgo Jô Bilac, a carioca Cia. Físico de Teatro volta a se apresentar na cidade. Com a mesma estrutura do trabalho anterior, Fã-Clube — em cartaz no SESC Consolação, Espaço Beta, somente quintas e sextas — é o resultado da criação coletiva do grupo.
Desta vez a dramaturgia de Keli Freitas é inspirada no livro O fã-clube, de Irving Wallace e os três atores, Camila Gama, Igor Angelkorte e Renato Livera (responsável pela direção), assinam o argumento dramatúrgico.
Num ambiente caótico e claustrofóbico, o público é orientado a entrar na penumbra, ao som de goteiras. O espetáculo inicia com as vozes de dois homens em plena escuridão, tentando consertar a caixa de luz. Superado o problema, vê-se uma mulher de costas, que os convida para um jogo de cartas.
Numa situação nada convencional, aos poucos o espectador compreende que aquela mulher é uma atriz de teatro, pouco conhecida, que está presa depois de ter sido sequestrada. A trama se desenrola, portanto, no cativeiro e o que se discute é a conturbada relação criada entre dois obcecados admiradores e uma atriz.
A trama é conduzida de maneira não linear, com cenas se repetindo, em que o espectador vai montando, como um quebra-cabeças, a história daquele sequestro. A grande discussão proposta pela peça é como princípios e valores éticos e morais são desestruturados e postos em xeque em circunstância que envolva risco de vida.
Qual o sentimento que leva um admirador a praticar uma violência ao seu ídolo? Em que momento a vítima do sequestro passa a amar seu opressor?
A peça levanta este paradoxo amoroso (sequestrada e sequestrador ou vítima e algoz): o que eles sentem é amor ou obsessão? No encarte do espetáculo, a dramaturga lança outras questões sobre o enredo:
“Sobre o amor. Esse sequestro. Esse vazio. Sobre o amor? Quanto tempo ainda temos? Sobre o olhar. É sobre o olhar. Manter, conservar, danificar. O que torna uma pessoa desejável? Qual é a causa do desejo? A realidade das coisas. Penetrar sob a quieta aparência da assim chamada realidade das coisas. Me achei. Me confundi”, diz Keli Freitas.
A cena em que os dois sequestradores descrevem o processo de empalhação de animais é o ponto crucial do espetáculo: a atriz é tratada como coisa, assim como os animais quando sofrem o processo de empalhação? Também somos coisa neste mundo conturbado, tecnológico e impessoal dos dias de hoje? São questionamentos propostos pela Cia. Físico de Teatro em Fã Clube.
Destaque para a interpretação envolvente dos atores — Camila, Igor e Renato estão em perfeita sintonia em cena — e para cenografia, assinada por André Sanches, e iluminação, de Renato Machado, que contextualizam a trama.
Fotos: Álvaro Riveros
Roteiro:
Fã-Clube. Direção artística: Renato Livera. Dramaturgia: Keli Freitas. Orientação artística: Ana Kfouri. Atuação e argumento dramatúrgico: Camila Gama, Igor Angelkorte e Renato Livera. Direção de movimento: Lavinia Bizzotto. Assistência de direção: Hélio Froes.Iluminação: Renato Machado. Cenário: André Sanches. Figurino: Bruno Perlatto. Trilha sonora original: Jamba. Fotos: Álvaro Riveros. Produção: Meta Produções Artísticas. Realização: Sesc SP
Serviço:
SESC Consolação, Espaço Beta (50 lugares), Rua Dr. Vila Nova, 245, Tel: 3234-3000. Horários: Quintas e sextas, às 21h. Ingressos: R$ 10,00 (inteira); R$ 5,00 (usuário SESC e dependentes, +60 anos, estudantes e prof. estaduais); R$ 2,50 (trabalhador no comércio e serviços matriculado no SESC e dependentes). Duração: 60 minutos. Classificação: 14 anos. Temporada: até dia 26 de abril.