Maurício Mellone * (redacao@aplausobrasil.com)

SÃO PAULO – O pontapé inicial da temporada teatral de 2016 não poderia ter sido melhor. Com o vigor e a intensidade que são caracteríscos de sua atuação nos palcos, Denise Weinberg acaba de estrear no SESC Pinheiros O Testamento de Maria, peça inédita no Brasil do dramaturgo e jornalista irlandês Colm Tóibín, sob direção de Ron Daniels, que permanece com o projeto Repertório Shakespeare em cartaz na cidade.
Denise interpreta Maria: antes do mito e da figura ícone religiosa, o autor mostra o lado humano da mãe de Jesus, que no exílio, questiona a crueldade dos romanos e dos anciãos judaicos com a crucificação de seu filho, bem como as atitudes dos discípulos dEle.

De acordo com Ron Daniels, responsável pela concepção e adaptação do espetáculo,
“Maria é uma mulher perseguida, pobre, quase uma prisioneira. Seu filho, ao se tornar uma espécie de líder revolucionário, sacrifica a sua vida por uma causa que Maria não entende e cuja morte lhe é insuportável, de tão horrível e absurda”, esclarece.
Para um texto contundente e uma proposição inusitada — a de retratar Maria como mulher, viúva e mãe, ao contrário da imagem imaculada da progenitora de Jesus —, o diretor, que assina a tradução da peça em parceria com Marcos Daud, optou por uma montagem enxuta, com apenas uma cadeira como elemento cênico, enfatizando assim o conteúdo das palavras questionadoras da personagem, que desde o início da trama deixa claro que só fala a verdade.

Partindo deste pressuposto da verdade é que Maria, que se encontra exilada e confinada para ajudar os discípulos a escreverem os evangelhos, ao relatar toda a trajetória de Jesus — ela confessa que não consegue chamar o filho pelo nome, somente por Ele— apresenta sua indignação, revolta e inconformismo com o rumo da história de vida da sua família. Além de denunciar a crueldade dos romanos e anciãos judaicos, Maria não sabe como venerar um ato tão violento cometido contra seu filho, a crucificação. O questionamento dela é inclusive, após a morte do filho, com relação ao comportamento dos discípulos, que pode beirar ao fanatismo. Aqui o autor, mesmo que de forma involuntária, propõe uma reflexão sobre as atitudes dos fundamentalistas religiosos dos nossos dias.
Ron Daniels — que nasceu no Estado do Rio e começou sua carreira como ator e só depois se transferiu para Londres/Inglaterra, onde se tornou um diretor especialista em Shakespeare — afirma que baseou seu trabalho numa declaração do dramaturgo, em que pretendia dar voz a Maria sem reduzir sua estatura:
“Eu me pus a imaginar como, em uma época turbulenta revolucionária, teria sido a vida de uma mulher que sofrera tanto e que fora tão frágil, antes de se tornar um mito”, argumenta Colm Tóibín.

Além da força do texto e da impactante concepção cênica, outro destaque da montagem é a participação do músico Gregory Slivar, que executa no palco sua trilha original, que pontua toda a narrativa.
No entanto, O Testamento de Maria só ganha tamanha magnitude graças ao desempenho e a interpretação visceral desta grande atriz, que fala da satisfação com este trabalho:
“Numa época de desencanto, desânimo e descrença, esse texto veio me fortalecer, me impulsionar e confirmar minha crença na simplicidade, na dignidade do nosso ofício tão banalizado atualmente. E ainda esta peça me proporcionou esse maravilhoso encontro com Ron Daniels, um homem de teatro e apaixonado pelo ofício do ator. Só tenho a agradecer”, confessa Denise Weinberg.
O espetáculo está em curta temporada (só até 13 de fevereiro) e numa sala de 98 lugares: procure organizar sua agenda e não deixe de assistir. O Testamento de Maria não só abre a temporada 2016 como será, sem dúvida, um marco da produção teatral brasileira deste ano.
* Maurício Mellone publicou o texto no www.favodomellone.com.br – parceiro do Aplauso Brasil
Roteiro:
O Testamento de Maria. Texto: Colm Tóibín. Tradução: Marcos Daud e Ron Daniels. Concepção, adaptação e direção: Ron Daniels. Elenco: Denise Weinberg. Curadoria artística: Ruy Cortez. Cenografia: Ulisses Cohn. Figurino: Anne Cerruti. Música original e execução ao vivo: Gregory Slivar. Iluminação: Fábio Retti. Fotografia João Caldas.
Serviço:
SESC Pinheiros, Auditório 3º andar (98 lugares), Rua Paes Leme, 195., Tel.: 11 3095.9400. Horários: de quinta a sábado, às 20h30. Ingressos: de R$ 7,50 a R$ 25. Ingressos à venda pelo portal www.sescsp.org.br e nas bilheterias das unidades do Sesc. Duração: 80 minutos. Classificação: 16 anos. Temporada: até 13 de fevereiro.