SÃO PAULO – Mais do que uma trama biográfica, a peça de Sérgio Roveri, Um beijo em Franz Kakfa, faz um recorte na vida do escritor tcheco e mostra um encontro fictício dele, aos 40 anos e próximo da morte, com seu amigo, o também escritor Max Brod, pouco antes de se internar num sanatório para se tratar de tuberculose. Já em estágio avançado da doença e em crise existencial, Kafka, vivido por Maurício Machado, procura Max, papel de Anderson Di Rizzi, e lhe faz um pedido dificílimo de atender: que o amigo queime toda a sua obra literária. “O que está no palco é o retrato de um artista genial, por vezes assustado e inseguro, talvez com medo da doença e da morte iminente — ou talvez com medo da grandiosidade da obra que nasceu de suas mãos,” atesta o dramaturgo Sérgio Roveri.
O prólogo sintetiza toda a peça: cada um dos atores está num lado da lateral da plateia; Kafka, ansioso e angustiado, suplica ao amigo que cumpra sua solicitação. Do outro lado, Max lê a carta de Kafka e em seguida confessa que, por mais que respeite e admire o amigo, não tem condições de cumprir sua ordem.
Já no palco, acontece o encontro dos dois escritores, amigos desde o tempo da faculdade de direito, e o público aí entende o teor da súplica. Eles brindam a amizade e Kafka não só reforça seu pedido como mostra a cópia do testamento em que exige que os originais de tudo o que escreveu sejam incinerados. Max apoia e tenta amparar o amigo, já muito debilitado; no entanto é irredutível e diz não poder cumprir tal pedido.
Felizmente: graças a Max Brod — responsável por organizar e publicar a obra do amigo após sua morte — a Humanidade teve acesso a Franz Kakfa, considerado um dos principais escritores da literatura ocidental do século XX.
“O espetáculo se inspira nos Diários de Franz Kafka; lá não está a obra do escritor, mas principalmente sua vida, seus hábitos e temores, sua saúde frágil e sua eterna inadequação a qualquer tipo de padrão. A peça também tem esta disposição de focalizar mais o homem do que necessariamente sua produção literária, ainda que esta permeie todo o espetáculo”, explica Roveri.
Para intercalar o encontro e o embate dos dois personagens centrais, o diretor se utiliza da performance do bailarino Alex Merino e do músico Ricardo Pesce, que alinhavam toda a encenação. Destaque para a cenografia de Kleber Montanheiro e para o visagismo e maquiagem de Armando Filho. A sintonia em cena de Maurício Machado e Anderson Di Rizzi reforça a proposta cênica, a de ressaltar a amizade e cumplicidade de dois grandes escritores do século XX.