Maurício Mellone * (redacao@aplausobrasil.com.br)
SÃO PAULO – Depois de sucesso no ano passado, acaba de reestrear o espetáculo dirigido por André Garolli, Memórias (Não) Inventadas, baseado na peça Lembranças de Bertha e outros contos do dramaturgo norte-americano Tenneessee Williams. Desta vez Fernanda Viacava divide a cena com Camila dos Anjos e Eucir de Souza e dá vida à prostituta Bertha, que no fim da vida precisa ceder o quarto do bordel onde mora para novas prostitutas. É neste momento que ela transita entre a realidade e a imaginação e dialoga tanto com as pessoas que convivem com ela no momento como com parentes e fantasmas do passado.
A montagem de Garolli se apropria muito bem do espaço cênico: ao entrar na pequena sala, o público já se depara com Bertha confinada na cama daquele quarto de bordel; sempre tossindo, ela se revira na cama e só depois de algum tempo percebe-se que na penteadeira estão duas bonecas, uma gigante (Camila) que tem a função de ser a narradora e de fazer as vezes de outras personagens (reais e imaginárias) da velha prostituta.
Além da boneca, Bertha se relaciona com a gerente da casa, interpretado por Eucir, que também encarna os demais personagens da vida dela, como o pai, o amante, o filho. A escada para entrar no quarto — também usada pelo público — tem belo efeito dramático: Eucir aparece do topo da escada e como encarna personagens masculinos e femininos tem um lado do rosto maquiado como mulher e do outro como homem. Nesta escada, o embate com Bertha é evidenciado ainda mais.
Uma das principais questões levantadas pelo espetáculo é sobre a lembrança que temos dos acontecimentos: o que nos lembramos dos fatos foi exatamente como tudo aconteceu? A fantasia e a imaginação não nos ajudam a lidar melhor com dura realidade em que vivemos? No caso da personagem central, o mundo fantástico ajuda a amenizar tanto sofrimento por que ela passa na realidade; no entanto alguns fantasmas também reaparecem para deixá-la ainda mais vulnerável.
“Após estudos sobre Tennessee Williams, nos vimos diante de uma gama de possibilidades simbólicas, líricas e imagéticas a explorar. Na peça, propomos uma viagem para dentro da cabeça da prostituta Bertha em seus últimos momentos de vida: sua condição delirante surge como uma oportunidade para abrir cortes no tempo e espaço, confundir memórias e alucinações e, acima de tudo, revelar ao espectador um mosaico de imagens colhidas na obra do autor”, detalha André Garolli.
Com um cenário (assinado por Kleber Montanheiro) extremamente condizente com o enredo e a precisa iluminação de Rodrigo Alves, a montagem de Garolli dá ênfase ao jogo dramático entre os atores, que envolvem os espectadores naquele drama vivido pela prostituta. Fernanda emociona com a dubiedade da personagem, entre a realidade e a imaginação, e Eucir e Camila, vivendo mais que um personagem, redimensionam o universo de Tennessee Williams.
Mais uma excelente produção deste início de temporada teatral.
* Maurício Mellone publicou o texto no www.favodomellone.com.br – parceiro do Aplauso Brasil
Roteiro:
Memórias (Não) Inventadas. Texto: Inspirado na obra de Tennessee Williams. Direção: André Garolli. Dramaturgia: André Garolli, Fernanda Viacava, Lara Hassum e Mateus Monteiro. Elenco: Fernanda Viacava, Eucir de Souza e Camila dos Anjos. Cenografia: Kleber Montanheiro. Figurino: David Diniz. Iluminação: Rodrigo Alves. Visagismo: Beto França. Preparação corporal: Vancllea Porath. Fotografia: Paulo Fischer. Produção: Fernanda Viacava e André Garolli. Realização: Cia.Triptal
Serviço:
Viga Espaço Cênico, Sala Piscina (35 lugares), Rua Capote Valente, 1323, tel.: 11 3801-1843. Horários: quarta e quinta às 21h. Ingressos: R$ 40 e R$ 20. Bilheteria: aberta 1h antes da sessão. Duração: 55 min. Classificação: 14 anos. Temporada: até 23 de fevereiro.