SÃO PAULO – Em meio ao espaço cênico da sala de espetáculo completamente tomado por caixas de papelão, com livros espalhados pelo chão, é que a atriz carioca Gisele Fróes — em sua primeira experiência solo na carreira — inicia a peça O Imortal, baseada no conto do escritor argentino Jorge Luis Borges. Com dramaturgia de Adriano Guimarães e Patrick Pessoa e direção do coletivo Irmãos Guimarães, a atriz, indicada a prêmios na temporada carioca, agradece a presença da pequena plateia (60 lugares) e diz que está ali para contar uma história. Começa dizendo que em uma visita a um antiquário, recebeu seis volumes da tradução inglesa da obra Ilíada, de Homero. Ao chegar em casa, percebeu que no último volume havia um manuscrito, o conto de Borges, que é o relato autobiográfico de um militar do Império Romano, que no século III dC sai em busca da Cidade dos Imortais. A partir daí, a atriz passa a contar as aventuras de Marco Flamínio Rufo, o militar romano, que desejava alcançar a imortalidade.
Sempre em tom suave, monocórdico, Gisele começa o relato, mas antes pede que todos ouçam a canção Máquina de Amar, de Iggy Pop. Com uma iluminação mais intimista e já na pele do militar, a atriz narra com riqueza de detalhes todos os passos de Rufo em sua trajetória rumo à imortalidade, desde seu encontro com um estrangeiro que confirma a existência da cidade dos imortais e do rio que purifica da morte todo aquele que beber de suas águas, suas inúmeras tentativas pelo deserto para chegar ao destino até alcançar o objetivo da viagem e aí iniciar uma profunda reflexão sobre a imortalidade.
Além do conto que dá título ao espetáculo, a montagem também se vale de outros escritos de Borges, inclusive o ensaio A Imortalidade, escrito três décadas depois do conto. Com o personagem já imortal, tendo bebido das águas do rio, ele questiona o ser que o seguiu pelo deserto sobre as atitudes apáticas das pessoas da Cidade dos Imortais. No embate filosófico, o militar entende que a dádiva da vida é justamente a morte, ou seja, só há significado na existência em função da finitude; do contrário tudo se resume a apatia e indiferença diante da vida. Para finalizar, a atriz volta a solicitar que todos ouçam com atenção a canção Insensatez, de Tom Jobim e Vinícius de Moraes, e se retira da sala, assim como entrou, calmamente.
Mais do que o tom filosófico e profundo da dramaturgia e a impactante cenografia, o grande destaque da montagem é para a sensível e envolvente interpretação de Gisele Fróes. Em tempos duros como estes que estamos vivendo, nada melhor do que um texto reflexivo que induz o espectador a rever conceitos existenciais.