Michel Fernandes, do Aplauso Brasil (Michel@aplausobrasil.com)

Escrever sobre as repetições de ações e movimentos, muitos deles circulares explodindo a cada performance dos bailarinos, a elegância dos figurinos criados por Marion Cito, a justeza sóbria da cenografia de Peter Pabst não são necessariamente novidades na linguagem dos espetáculos que Pina Bausch deixou em seus quase 40 anos como coreógrafa (seu primeiro trabalho assinado, Fritz, é de 1973), entretanto em Ten Chi (espetáculo de 2004, em co-produção com Saitama, cidade ao sul do Japão) se torna evidente a dimensão ritualística das cenas da peça.
Regina Advento, bailarina brasileira que está, há anos, na Pina Bausch Wuppertal Tanztheater, integrante do elenco de Ten Chi, conta que visitou locais como uma fábrica de fazer biscoito japonês, pessoas que confeccionavam bonecas em casa,fábrica de macarrão japonês e saquê, e que “tudo isso é feito à mão, faz parte de um ritual. Mesmo com toda a tecnologia disponível a estrutura tradicional da família é importante, inclusive, como parte da economia daquele povo e isso, para mim, é símbolo de ritual”.
Ainda como parte da pesquisa para a composição do espetáculo, a trupe viajou de Saitama para uma ilha, também ao sul do Japão, onde havia uma festa popular de rua, ali, Regina livrou-se da imagem estereotipada de que o japonês é um indivíduo hermético, extremamente reservado.
“Sempre imaginei os japoneses pessoas circunspetas e, de repente, sem as máscaras de proteção, numa festa popular de rua, me surpreendi com a espontaneidade e receptividade daquelas pessoas”, diz Advento.

Uma das cenas que chamou minha atenção em Ten Chi, por sintetizar o que acredito como tentativa de corromper o alongamento do tempo sagrado, preservado no oriente, pela pressa ocidental que foca na idéia de que “tempo é dinheiro”, é quando dois bailarinos entram em cena, um de terno e o outro com um quimono, e o que está de terno retira as camadas da roupa do outro bailarino até deixá-lo nu e o veste com um terno, tirando-o de um tempo sagrado para jogá-lo no frenesi caótico de uma identidade contemporânea, em que o indivíduo vale o que tem.
Temi que fosse uma interpretação disparatada, ao que Regina me confortou dizendo que “não existe nenhuma interpretação errônea dos espetáculos, cada um os interpreta a sua maneira, por isso a Pina nunca explicou nenhum trabalho seu. Ela deixa a coisa aberta para cada um fazer sua própria fantasia. Essa é a principal característica da linguagem de Pina Bausch”.
Eis o legado de Pina: auxiliar-nos no encontro de nossa própria fantasia.
Ten Chi faz mais duas apresentações no Teatro Alfa, hoje e amanha.
CLIQUE AQUI para saber mais.