Afonso Gentil, especial para o Aplauso Brasil (aplausobrasil@aplausobrasil.com)

COMO IRRITAR O BONDOSO DEUS DOS CÉUS
A interminável discussão as mulheres entre elas próprias é aqui espiralada num movimento sem respiros retratando o grotesco desse procedimento através dos tempos. Quem é Superior? A bonitinha, quem cultua o corpo em academias e dietas das mais estapafúrdias; a inteligente, com suas informações culturais, políticas, filosóficas (pena que nunca religiosas ); ou a feia,indefesa, sem auto-estima, porém ardilosa e queixosa o suficiente para recorrer à justiça divina? Segundo o já não tão bondoso e paciente Deus e o implacável casal de autores Alexandre Machado e Fernanda Young, nenhuma delas é superior.
Em A Feia, a Bonitinha e a Inteligente a festejada dupla das séries cômicas da TV Globo (sendo Os Normais a mais cultuada pelo público ) comparece neste Festival do Grotesco, em curso no Teatro N.Ex.T, com sua inconfundível chave hiperbólica de análise do comportamento humano .
A discussão entre “os três estereótipos femininos que debatem, ao vivo e em cores, as dores e delicias de ser o que são” é hilariantemente feroz, para a delícia da plateia, principalmente a masculina. O grotesco aqui é ardilosamente usado pelos autores, escondido que está sob o disfarce da farsa inteligente.
O diretor Antonio Rocco consegue que o ritmo do “ debate existencial” mantenha-se suficientemente quente, lá no palco como aqui na platéia. As atrizes Maira Galvão, Luciana Caruso ( a bonitinha) e Erika Forlin (a inteligente), sintonizadas entre si, trazem desempenhos de calculada – para não dizer elegante – verve transgressora. E a “voz de Deus” consegue assustar, também, todos os soberbos da plateia.
DE PERTO NINGUÉM È NORMAL
Antonio Rocco reservou para si a dupla tarefa de autor e diretor de Telefone Público, a expressiva abordagem dos diferentes ângulos que o grotesco pode assumir com diferentes pessoas num mesmo espaço. Há o caso da agenda enganadora colhida por um inveterado colecionador de coelhinhas; o de uma mulher quarentona, vê-se que solitária, proseando animadamente com interlocutores ausentes, no afã de conquistar a afeição dos transeuntes. E o caso de um dupla de moradores de rua, o mais bem sucedido, a nosso ver, propiciando uma antológica composição do ator Mário Matias, no magrela de frieira nos dedos dos pés e nada, absolutamente nada, na cabeça. Celso Melez, o acompanha de perto.
São três observações distintas do grotesco : no ridículo a que se expõe o galanteador de muita pretensão amorosa e nenhuma chance (com Marcos Gomes, convincente como sempre); no enervante enfrentamento da solidão auto-imposto pela mulher – Jacqueline Obrigon, perfeita – que fala com o vácuo. E na ignorância aguda em que estão condenados a viver os dois sem-teto. De repente, encontramos o humano que o grotesco pode denunciar, paradoxalmente.
TERMINANDO
Esse Festival em andamento no N.Ex.T não quer mudar a face do teatro, como muitos pretensiosos “coletivos” de São Paulo e do Rio de Janeiro, que assombram (literalmente) nossos palcos desde o inicio deste ano, para não irmos mais longe. Antonio Rocco, os autores convidados, o elenco afinado com as ideias do idealizador, o diretor Marco Loureiro, que com Rocco divide as 6 encenações, ganham ponto justamente pela despretensão da iniciativa aliada a um cuidadoso preparo cênico de cada texto. Foi bonito de acompanhar.
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Um curioso passeio pelo grotesco no Teatro N.Ex.T.
Serviço: II Festival do Grotesco / Teatro N.Ex.T / Rua Rego Freitas, 454 – Metrô República /fone 3259-9636 / 5as. 6as. e sábados às 21h30, cada noite com 2 peças diferentes , com duração de 70 minutos, sem intervalo. Ingressos R$ 30,00 /Censura 18 anos/ Estacionamento conveniado/Acesso universal.0