Kyra Piscitelli, do Aplauso Brasil (kyra@aplausobrasil.com)

São Paulo – O Brasil tomou um triste susto no sábado de 05/04. De forma inesperada, o ator Zé Wilker (1946 – 2014) nos deixou. Um infarto fulminante levou o ator, diretor e crítico de cinema do nosso mundo. Aquele que foi antes que esperássemos o “terceiro apito” marcou o mundo das artes. Ele parecia carregar a missão do conhecimento. E por isso, esse não é um obituário comum. Não seria possível. E essa, talvez, seja a razão da demora em escrevê-lo.
Depois de muito pensar em como homenageá-lo, resolvi escrever sobre um episódio particular: o dia em que ele veio falar comigo sobre um livro. Acredito que essa passagem inesquecível para mim defina bem o Zé Wilker: alguém que quer trocar informações; buscar novos pontos de vista e passar conhecimento.
Era dia de coletiva de imprensa da peça Palácio do Fim, que teve um sucesso estrondoso. A direção era dele: do Wilker. O projeto audacioso e com grande elenco (Antônio Petrin,Camila Morgado e Vera Holtz) o parecia empolgar.

Para quem não lembra ou até não sabe, a montagem descreve a forma pela qual três vidas, mesmo em lados opostos de um conflito, podem ser modificadas e conectadas pela dor. O nome Palácio do Fim é uma referência à antiga sede da câmara de tortura de Saddam Hussein, no Iraque.
O ano era 2012 ou começo de 2013, não me lembro bem. Mas o importante mesmo é que depois da coletiva eu me sentei no sofá para esperar um amigo ir ao banheiro. Nos braços segurava o livro Cemitério de Praga de Umberto Eco. O Zé Wilker que passava no saguão do hotel onde estávamos, parou ao ver o livro – apontou e disse: “esse livro é bom!”
E na mesma hora se sentou ao meu lado e começou a falar do livro, que eu nunca tinha lido, pois era do meu amigo do banheiro. Eu que não sou boba, fiz perguntas e puxei assunto – mesmo sem saber direito o que falar. No dia seguinte, claro, comprei o livro.
Na estreia de Palácio do Fim, ele me perguntou do livro. Por sorte, eu havia devorado a história em poucos dias só para conversar com ele.
As duas conversas que tive com Zé Wilker sobre o livro Cemitério de Praga me mostrou o “Zé” de quem muita gente fala.
E depois do evento, sinto-me com liberdade de descrevê-lo como alguém que não é só despojado no jeito de se vestir, e sim na maneira de falar e agir com o outro. Partiu cedo do mundo dos homens, mas cumpriu lindamente sua missão: de levar e trocar conhecimento, disseminando-o sem apego.
Os últimos aplausos no teatro
Nos obituários que homenagearam Zé Wilker, o teatro aparece como o começo de tudo. Tanto que o ator foi velado no Teatro Ipanema, onde iniciou a carreira.
O teatro situado na Zona Sul do Rio de Janeiro, foi onde o artista atuou no espetáculo O Arquiteto e o Imperador da Assíria, em 1970. A montagem foi um grande sucesso e rendeu premiação para Zé Wilker.
Os mesmos obituários que falam do início de Zé Wilker no teatro, o esquecem nos últimos anos. É certo que ao longo da vida o ator priorizou sua paixão que era o cinema e também a televisão, mas sempre fez visitas ao teatro e teve um papel importante no palco.
Para se ter ideia, Palácio do Fim nem sequer aparece na linha do tempo dos obituários feitos pela imprensa.
Além de Palácio do Fim, os obituários se esqueceram da peça A Cabra ou Quem é Sylvia, que estreou no final de 2008. O espetáculo teve direção de Jô Soares e trouxe Zé Wilker no elenco. O ator fazia um arquiteto bem sucedido e com uma família modelo. A estabilidade da personagem é quebrada quando se apaixona por uma cabra chamada Sylvia.